A suspensão preventiva do advogado e as redes sociais (cautela necessária)
para IARGS
Conceito de suspensão preventiva
Tema que sempre gera debates entre advogados e advogadas é o fato de ser possível, de forma cautelar, a suspensão do advogado pela OAB, através do instituto chamado de suspensão preventiva. Tal ato vem sendo objeto de aumento de abertura de representações, possivelmente, em consequência do número elevado de advogados existentes no Brasil (1.547.552) [i]
Pois bem, a suspensão preventiva do advogado encontra-se inserida no artigo 70, § 3 do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em vigor com a publicação da Lei 8.906/94. Tal artigo deduz que o Tribunal de Ética e Disciplina do Conselho onde o acusado tenha inscrição principal poderá suspendê-lo preventivamente, em caso de repercussão prejudicial à dignidade da advocacia. Ressalta-se que a lei é clara sobre a competência territorial sobre o ato de suspensão, no entanto, o ideal seria que a Seccional no local do fato pudesse também ser competente. Afinal a localidade no qual foi gerada a repercussão negativa possui maior interesse na respectiva suspensão do advogado.
O prazo máximo da suspensão preventiva, apesar de divergências de entendimentos, foi estabelecido em 90 dias, através da consulta n. 2010.27.04699- 01 do Conselho Federal da OAB. Tal consulta foi brilhantemente citada nos Autos do Incidente de Uniformização de Jurisprudência (202004858) do Órgão Especial do Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO), nos seguintes termos:
(…) Por sua vez, ao interpretar o referido parágrafo por meio da Consulta de nº 2010.27.04699-01, o Conselho Federal entendeu que o prazo máximo para suspensão preventiva será de 90 dias, sendo possível a detração da pena, caso haja aplicação de pena de suspensão no processo disciplinar.(…) [ii]
Salienta-se que a suspensão preventiva tem natureza cautelar, ou seja, garante-se, com isso, a incolumidade e dignidade da profissão, não sendo objetivo a sanção ao advogado, eventualmente, infrator.
Ocorre que um dos requisitos para a instauração de procedimento de suspensão preventiva é o reflexo social do ato cometido. E neste ponto se insere a influência e o alcance das redes sociais.
Julgamentos éticos e morais – dificuldade e prudência
Nos julgamentos éticos, há uma certa dificuldade de imparcialidade, pois as representações sempre carregam margens morais que dificultam a isenção do nobre julgador.
Sobre a dificuldade, HAIDT (2013, p.50) “explica que, no que diz respeito a julgamento morais, a tendência inata das pessoas é julgar primeiro e justificar depois. (…) O julgamento moral, no mais das vezes, nada mais é do que uma racionalização à posteriori, elaborada para justificar uma tomada de posição prévia que o indivíduo já realizou (inconscientemente) com base em seus pré-conceitos e pré-juízos.”[iii]
Por isso, o nobre julgador do Tribunal de Ética respectivo deverá se abster de verificar a culpabilidade do eventual infrator (a qual será analisada em processo próprio) e tentar encontrar os requisitos do ato de suspensão, a saber: temporalidade do ocorrido, materialidade do fato e relação desta com o eventual infrator, risco de dano à imagem da advocacia e que a infração imputada seja possível de condenação a suspensão ou exclusão do advogado.
Alia-se a todo o exposto, o fato de que os julgadores são advogados que não possuem a expertise de julgar, podendo ocorrer erros e conforme citado por Oliveira: “À exceção da morte, a injustiça é o mal mais doloroso para os seres humanos.”[iv]
Redes sociais e cautela
As redes sociais são importantes para a devida profusão de conhecimentos, ideias e tendências. Segundo levantamento da Comscore, o Brasil é o primeiro da América Latina em acesso às plataformas, o equivalente a 131,5 milhões de pessoas[v]. Havendo verdadeira avalanche de notícias diárias.
Neste ponto, há a que se ter a devida cautela no que se refere ao instituto da repercussão negativa oriunda de redes sociais, por vários fatores, dentre eles: a) confiabilidade da fonte, b) número ilimitado de destinatário c) necessidade de que o fato transcenda eventual relação cliente e advogado.
Com relação à confiabilidade da fonte, talvez seja óbvio, porém merece ser relembrado, que as redes sociais são um mundo à parte, com livres pensamentos, sem que haja, pelo menos por enquanto, o controle de quem por lá faz as suas ponderações. Muitas vezes motivados por interesses pessoais, tais como vingança, alcance de seguidores ou até mesmo por dolo. Por isso, notícias que, à princípio, podem macular negativamente a imagem da advocacia, devem ser analisadas com a cautela de averiguar a confiabilidade da fonte, sob pena de o julgamento partir de uma premissa equivocada.
No enfoque sobre o número ilimitado de destinatários, impossível que uma notícia em rede social, não ultrapasse somente o território da Seccional que estará julgando a suspensão preventiva, devido a isso, necessário se faz ater ao ato eventualmente infrator, pois a disseminação do fato, por si só, já ensejaria a suspensão, o que transformaria a rede social num instrumento de acusação, ou melhor dizendo, o fato, per si, ao ser disseminado na rede ocasionaria a punição, o que demonstra ser uma hipótese absurda.
Com relação à necessidade de que o fato ultrapasse eventual relação cliente advogado, isso se explica no próprio texto da lei, ao citar que a suspensão seria em caso de repercussão prejudicial. Isto é, a relação privada pode ser objeto de representação e punição. No entanto, ao não possuir o requisito de repercussão, invalida-se um dos requisitos da suspensão preventiva.
Conclusão
Conclui-se que a suspensão preventiva, como forma de medida cautelar, pode e deve servir de apoio à integridade da imagem da advocacia, no entanto, como qualquer julgamento, principalmente oriundo de fatos divulgados em redes sociais, deve ser objeto de prudência e extrema cautela.
[i] https://www.oab.org.br/institucionalconselhofederal/quadroadvogados Acesso em 18/07/2025
[ii]https://www.oabgo.org.br/ted-edita-primeira-sumula-para-uniformizar-julgamento-sobre-suspensao-preventiva-de-advogado/ Acesso em 18/07/2025
[iii] HAID, Jonathan. The righteous mind, 2013, p. 50, apud, ABEL, Henrique. Epistemologia jurídica e constitucionalismo contemporâneo: os fundamentos do direito democrático na era do pós-positivismo – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022, p. 8
[iv] OLIVEIRA, Marco Aurélio Costa Moreira de. Justiça e ética: ensaios sobre o uso das togas. 2 ed. rev e ampl. – Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2023, p. 21.
[v]https://forbes.com.br/forbes-tech/2023/03/brasil-e-o-terceiro-pais-que-mais-consome-redes-sociais-em-todo-o-mundo/ . Acesso em 16/07/2025
Alexandre Ezechiello
Associado IARGS. Advogado. Formado em Administração de Empresas pela UFRJ. Conselheiro da Associação dos Advogados do Grupo Eletrobras – AAGE (biênio 2024/2026). Associado do IBDP. Defensor Dativo do TED da OAB/RS e sócio do escritório Marques Ezechiello Advogados Associados.
Rogério dos Santos 1 mês
Parabéns por seu artigo. Um excelente e bem embasado material, com capacidade de fazer pensar sobre este tão importante tema.