10/11/2020 07h21 - Atualizado 10/11/2020 07h48

A necessária intersecção entre o Direito Tributário e o Direito de Família e Sucessões

Por Terezinha
para IARGS
Artigo da advogada familista e associada do IARGS, Dra Helena Sanseverino Dillenburg
Tema: A necessária intersecção entre o Direito Tributário e o Direito de Família e Sucessões

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Não há dúvidas de que o Direito de Família e Sucessões detém consideráveis pontos de conexão com o Direito Tributário. Dado o inerente conteúdo patrimonial no âmbito familiar, por certo, ocorrerão diversas possibilidades de incidências tributárias em determinadas situações. Diante desta indubitável realidade, justifica-se a relevância do viés interdisciplinar entre as áreas tributária e familiar.

 
Contudo, comumente se observa que a análise dos institutos ocorre de modo isolado e não verdadeiramente transdisciplinar. Em outras palavras, de um lado, analisa-se a situação jurídica sob a perspectiva dos institutos do Direito Tributário e, de outro, sob a ótica dos institutos familistas. Esta análise apartada, porém, pode causar graves impactos jurídicos, acarretando, inclusive, possíveis nulidades do negócio. 
 
Muitas vezes, no decorrer de eventos ligados a um núcleo familiar, olvida-se do cuidado com a regularização de tributos que incidem sobre fatos geradores decorrentes de situações familiares. Um exemplo muito recorrente disto é a incidência do Imposto sobre Renda e Proventos de Qualquer Natureza sobre as pensões alimentícias. Para a legislação vigente, o recebimento de pensão alimentícia caracteriza o fato gerador do Imposto de Renda, sendo necessário o devido recolhimento do imposto, caso o valor do pensionamento ultrapasse a faixa de isenção disposta pelo ordenamento jurídico brasileiro. Mesmo assim, não raras vezes, esta incidência é esquecida quando da fixação da pensão, razão pela qual não é contabilizado o imposto no momento do cômputo do quantum alimentar. Esta ausência de cuidado na perspectiva do Direito Tributário pode prejudicar exatamente a parte hipossuficiente neste tipo de relação, que é o destinatário da pensão de alimentos. Ainda, o não recolhimento adequado do imposto pode levar a autuações de considerável monta pelo fisco. 
 
Além deste exemplo comumente verificado na prática, existem outras situações em que o olhar interdisciplinar entre o Direito Tributário e o Direito de Família e Sucessões evitaria surpresas desagradáveis e, muitas vezes, não planejadas por determinados grupos familiares. Em uma perspectiva ideal, cada aquisição ou evento com impacto econômico relevante deveria ser assessorada por uma equipe interdisciplinar. 
 
Ademais, a postura preventiva na esfera do planejamento patrimonial ainda não é regra em nossa sociedade, tendo em vista valores e tradições culturais. Muitas vezes, é possível observar que conflitos familiares poderiam ter sido evitados se houvesse um efetivo planejamento patrimonial, ainda que mínimo. Felizmente, a procura por tal planejamento patrimonial vem crescendo nos últimos anos, ganhando maior atenção pelos operadores do direito. Atualmente, a temática do planejamento sucessório mostra-se cada vez mais relevante, o que acabou por se intensificar no ano de 2020, por conta do avanço da pandemia da COVID-19 em escala global. 
 
Todavia, é extremamente necessário que o planejamento patrimonial seja realizado de modo verdadeiramente interdisciplinar, contemplando todas as vertentes que podem ser afetadas. Mesmo assim, insta frisar que nenhum planejamento é absolutamente isento de riscos, sendo falacioso falar em “blindagem patrimonial”. A perspectiva mais adequada é no sentido de minimizar tais riscos e, dentro da legalidade, preservar a vontade do titular do patrimônio. 
 
A importância deste olhar transdisciplinar se confirma em diversas situações nas quais é possível verificar a ausência de certos cuidados e ponderações. Por exemplo, quando o titular de determinado bem decide transferi-lo a um herdeiro, normalmente a um descendente, pode obter consultoria apenas no âmbito contábil ou tributário. Dentro desta análise isolada, pode-se adotar a estratégia do ponto de vista da maior economia tributária possível, o que pode acarretar consequências no âmbito sucessório. Nestas transações, é necessário verificar se a parcela da legitima, que é a parte do patrimônio que não pode sofrer disposição na existência de herdeiros necessários, não está sendo fraudada. Além disso, tratando-se de compra e venda de ascendente para descendente, é necessária a anuência dos demais. Ainda, imperioso levar em conta o regime de bens do titular do patrimônio e do destinatário deste. Estes são apenas alguns dos pontos de atenção que devem ser observados, pois, não raras vezes, a economia tributária momentânea ocasiona drásticas perdas futuras, sobretudo se pensarmos na real intenção do titular do patrimônio quando da transação. 
 
Ou seja, frequentemente, a busca exclusiva pela economia tributária pode produzir preocupantes irregularidades no ponto de vista familiar e sucessório, podendo, inclusive, levar à nulidade do negócio jurídico firmado. De outro lado, adotar estratégias exclusivamente no âmbito familiar e sucessório, sem a devida atenção à tributação aplicável, pode representar perdas financeiras drásticas. 
 
Por fim, além do imprescindível olhar interdisciplinar aqui ressaltado, deve-se mencionar também a relevância da constante atualização neste sentido. Tanto o Direito de Família e Sucessões quanto o Direito Tributário sofrem modificações diárias, que devem ser objeto de contínuo estudo. Além disso, um planejamento patrimonial diligente inclui a atenção às potenciais modificações no horizonte. Apenas a título exemplificativo, há a tendência de majoração das alíquotas do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD) em diversos estados da federação. O conhecimento sobre esta tendência pode ser objeto de ponderação neste planejamento, antecipando-se transmissões para garantir a incidência de alíquotas menos gravosas. 
 
Diante de todo o exposto, é inequívoca a importância do diálogo entre o Direito Tributário e o Direito de Família e Sucessões, com uma análise efetivamente interdisciplinar. O tratamento isolado dos institutos de uma área ou de outra pode ser desastroso às partes envolvidas, sendo possível, por conta de irregularidades, o desrespeito à vontade do titular do patrimônio. Conforme mencionado, frequentemente o melhor caminho para a economia tributária não representa a conduta mais segura do ponto de vista familiar e sucessório. Além disso, esta avaliação deve ser atenta às constantes modificações e atualizações do sistema.

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