02/09/2025 07h00 - Atualizado 03/09/2025 17h53

Quatro dimensões da advocacia na atuação em métodos autocompositivos

Por Terezinha
para IARGS

Reflexões sobre a advocacia contemporânea no âmbito autocompositivo

Vivemos um novo tempo, com marcos legais da resolução de conflitos por meio da autocomposição que já completaram uma década: a Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015) e o Código de Processo Civil. Na sequência, vieram novas normas, como a Lei nº 14.133/2021 (Licitações e Contratos Administrativos), que dedica capítulo aos meios adequados de solução de controvérsias, e avança o PL nº 890/2022, que institui e disciplina as Práticas Colaborativas como método extrajudicial de gestão e prevenção de conflitos.

Passado esse tempo, os operadores do Direito precisam ajustar suas práticas para consolidar uma cultura menos litigiosa, mais negocial e menos judicializada, especialmente porque a maioria foi formada em um modelo contencioso já enraizado. O Código de Ética e Disciplina da OAB, no artigo 2º, parágrafo único, inciso VI, estabelece como dever do advogado estimular, a qualquer tempo, a conciliação e a mediação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios.

Em outros países, como os Estados Unidos, os custos da via judicial muitas vezes tornam inviável o acesso à justiça, deslocando a demanda para caminhos como negociação, mediação, arbitragem e advocacia colaborativa (também chamada de Práticas Colaborativas em Direito).

A partir dessa experiência, a advogada colaborativa norte-americana Pauline H. Tesler, em Direito Colaborativo, propõe a reinvenção do profissional jurídico em quatro dimensões: (i) consigo mesmo; (ii) na relação com o cliente; (iii) na relação com os demais envolvidos; e (iv) nas negociações. Essa matriz acelera a transição do modelo litigioso para o autocompositivo, em consonância com a política de desjudicialização do CNJ, e favorece resoluções de conflitos mais adequadas, prospectivas, autorresponsáveis, fluídas e humanizadas.

Feitas essas premissas, passo às quatro dimensões da mudança na advocacia colaborativa, começando pela transformação do próprio advogado.

(i) Primeira dimensão: reinventando a si mesmo

A virada começa por dentro e exige autoconhecimento. Tesler propõe abandonar a persona do “gladiador” e adotar firmeza sem agressividade, com linguagem não defensiva, reconhecimento de emoções e clareza ética. Nos métodos autocompositivos, esse autocontrole reduz a escalada do conflito, aumenta a confiança e qualifica a escuta.

A inclusão de métodos autocompositivos nos currículos é recente (Resolução CNE/CES nº 5/2018, posteriormente ajustada pelo Parecer CNE/CES nº 757/2020), e a maioria de nós foi formada para o litígio. Por isso, é essencial atualizar-se: capacitações em Práticas Colaborativas promovidas pelo IBPC, cursos de mediação da ESA (para mediar ou advogar na mediação) e em outras instituições de ensino e participação em grupos da CLIP PRATICARE, do IARGS, como o MARCs. Trata-se, além disso, de dever ético previsto no art. 2º, parágrafo único, inciso IV, do Código de Ética e Disciplina da OAB: “empenhar-se, permanentemente, em seu aperfeiçoamento pessoal e profissional”.

É igualmente indispensável dominar o modelo de Justiça Multiportas e explicar ao cliente o leque de caminhos possíveis (negociação direta, mediação, conciliação, dispute boards, arbitragem e o Judiciário), comparando custos, prazos, confidencialidade, executividade e impacto relacional, para então definir em conjunto a estratégia mais adequada, e não apresentar o Judiciário como primeira alternativa.

(ii) Segunda Dimensão: Reinventando a relação com o cliente:

A relação advogado–cliente pede novas lentes. Recomenda-se que a reunião saia do plano puramente intelectual e torne-se um encontro sinérgico, em que pensamentos, emoções e sensações sejam acolhidos. Espaço, disposição da sala e ritmo da conversa funcionam como ferramentas para criar segurança psicológica, condição para decidir bem. A comunicação precisa ser exploratória, com perguntas abertas que mapeiem as reais preocupações do cliente. Em vez de projetar culpas, promove-se autorresponsabilidade e uma perspectiva para o futuro: o que pode ser melhorado daqui para frente?

Nesse enquadramento, o advogado deixa de “controlar o caso” para atuar como conselheiro e negociador, em parceria com o cliente. Assume também um papel psicoeducacional: não apenas informa a lei, mas explica as forças e limites do direito como guia do consenso. Com protagonismo do cliente em todas as etapas e com metas claras, expectativas calibradas e critérios verificáveis, aumentam significativamente as chances de um acordo customizado, sustentável e cumprido ao longo do tempo.

(iii)  Terceira Dimensão: Reinventando a relação com o outro advogado e com os demais envolvidos

O outro advogado deixa de ser inimigo e passa a parceiro de resolução de controvérsias. Em vez de trabalharem um contra o outro, trabalham um com o outro. Profissionais de saúde mental/emocional, financeiros e técnicos deixam de ser “intrusos” para se tornarem coprodutores de informação qualificada e, com sua expertise, qualificam os dados necessários a melhores decisões.

No modelo adversarial, o jurídico ocupa o centro e reduz o conflito à dimensão estritamente legal; aspectos emocionais, financeiros, operacionais e relacionais tornam-se periféricos. Na abordagem colaborativa e autocompositiva, o direito é meio dentro de uma transição humana mais ampla: integra-se, desde o início, a saberes de outras áreas e ao desenho de implementação do acordo (prazos, garantias, comunicação, acompanhamento). O advogado deixa de “monopolizar” o caso para costurar essas camadas, produzindo soluções mais realistas, sustentáveis e executáveis.

Na prática, trabalhar em equipe reduz a tensão, melhora o desempenho e amplia a participação do cliente. A divisão de tarefas potencializa resultados: a saúde mental regula emoções e comunicação; o financeiro estrutura cenários e documentação; o advogado foca na negociação e na arquitetura do acordo (critérios, prazos, garantias, execução). O efeito é uma mesa mais produtiva, decisões mais bem informadas e acordos mais exequíveis. O CPC (art. 694) incentiva essa abordagem ao prever a busca da solução consensual com apoio de profissionais de outras áreas nas ações de família.

(iv) Quarta Dimensão: Reinventando as negociações

Na quarta dimensão, o advogado de abordagem colaborativa abandona a barganha posicional e passa a arquitetar negociações.

Os impasses deixam de acionar ameaças de judicialização e passam a funcionar como sinais de ajuste do procedimento extrajudicial. Com critérios objetivos, propostas condicionais e uma minuta construída em tempo real, a conversa migra da disputa para a resolução de problemas centrada no cliente, gerando acordos executáveis e maior cumprimento voluntário.

A construção conjunta de uma agenda, com tempos respeitados, calendário, janelas de troca de informações, combinados sobre a comunicação e critérios objetivos, evita o “modo audiência” e indica onde ajustar o desenho (ordem dos temas, sessão conjunta ou caucus, consulta técnica). Entre as ferramentas de mesa, destacam-se o brainstorming (tempestade de ideias sem compromisso para posterior seleção), o teste de realidade conjunto e a minuta viva produzida nas sessões, seguida de revisão de riscos.

Conclui-se que a advocacia colaborativa, seja pelo método das Práticas Colaborativas em Direito, seja como abordagem transversal, é competência que potencializa a política pública de autocomposição. Ao reinventar a si mesmo, a relação com o cliente, a interação com os demais profissionais e a forma de negociar, o advogado deixa de medir sucesso pelo placar do litígio e passa a medi-lo pela qualidade das decisões que ajudou a construir: informadas, realistas e executáveis. Fica o convite prático: quais pequenos ajustes de postura e de processo posso implementar já no próximo atendimento para elevar a taxa de acordo, reduzir custos e melhorar o cumprimento voluntário? O Judiciário permanece essencial, porém há outras portas pelas quais também entregamos justiça aos nossos clientes, muitas vezes com melhor adesão ao caso concreto, e para isso precisamos estar preparados e atualizados.

Referências:

–  BERLEZE, Michele. A importância dos profissionais de advocacia para a eficácia das mediações judiciais e extrajudiciais. In: LORENZONI, Nelni (org.). Mediação e futuro: reflexões para um novo tempo. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2025. p. 375-389.

–  BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.

–  BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação.

–  CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Código de Ética e Disciplina da OAB. Brasília: CFOAB, 2015.

– GIORGI, Grasiela de Souza Thomsen; LOPES, Juliano Alves; DORNELLES, Ricardo Cesar Correa Pires (org.). Casa de Mediação OAB/RS: transformando conflitos e compartilhando experiências. 1. ed. Porto Alegre: OAB/RS, 2024

– TESLER, Pauline H. Direito colaborativo: conquistando uma resolução efetiva em divórcio sem litígio. Tradução de Fal Azevedo. São Paulo: IBPC, 2021.

–  WEBB, Stuart G.; OUSKY, Ronald D. O caminho colaborativo para o divórcio. Tradução de Alexandre Martins. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas, 2018.

Grasiela Thomsen Giorgi

Associada do IARGS, advogada e mediadora, membro da Comissão de Mediação da OAB/RS, certificada em Práticas Colaborativas pelo IBPC e Mestre em Direito pela UFRGS

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