19/11/2019 19h59 - Atualizado 19/11/2019 19h59
Palestra- Efeitos patrimoniais da paternidade meramente biológica
Por Terezinha
para IARGS
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O advogado Lúcio Sérgio Sartori Scarparo fez sua estreia hoje, dia 19/11, no Grupo de Estudos de Direito de Família do IARGS, com uma preleção sobre o tema “Efeitos patrimoniais da paternidade meramente biológica”. A recepção foi feita pela vice-presidente do IARGS, Lúcia Kopittke, e pela diretora Liane Bestetti.
Para exemplificar a sua palestra, o advogado citou um processo, do qual representa, iniciado em 2004, na área de Direito de Família e Sucessões, quando foi levantada a hipótese de paternidade meramente biológica. Referiu que, no caso, a cliente é filha biológica, registral e socioafetiva do falecido. Segundo ele, quando o processo de inventário já havia se iniciado, foi surpreendido com o surgimento de uma suposta irmã da inventariante, a qual jamais havia sido reconhecida pelo pai biológico.
Em primeiro grau, esclareceu, foi reconhecida a verdade biológica, sem efeitos patrimoniais, tendo em vista que possuía pai registral e sócio afetivo. No entanto, informou que o STJ foi afastou a possibilidade do filho pleitear o reconhecimento da paternidade biológica, no caso de “adoção à brasileira”.
Na sequência, ressaltou que o Recurso Especial julgou procedente o pedido deduzido pela autora relativamente ao reconhecimento da paternidade e maternidade, com todos os consectários legais, determinando-se também a anulação do registro de nascimento para que figurem os réus como pais da requerente. “Já o Recurso Extraordinário 898.060 aprovou e fixou a tese que assumiu caráter histórico e, pode-se mesmo dizer, revolucionário”, acentuou.
O advogado lembrou que, em 22/09/2016, a Corte decidiu, por maioria, que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.
Na avaliação do Dr Lucio Scarparo, a situação criada é imoral, pois, referindo-se ao caso em questão, a filha, meramente biológica, receberá efeitos patrimoniais de um pai com que jamais conviveu, sequer colaborou, mesmo que de forma afetiva, na construção do patrimônio que agora poderá dividir com a irmã meramente biológica.
Para o advogado, a multiparentalidade deve ser vista pela perspectiva da criança, do adolescente e do adulto detentor dos direitos, ou daquele que possui a multiparentalidade, “que rompe o modelo binário de família, haja vista a complexidade da vida moderna, sobre a qual o Direito positivado ainda não conseguiu lidar satisfatoriamente”.
Baseado nisso, elencou o entendimento do STJ no AgInt nos EDcl nos EDcl no REsp 1607056 / SP, julgado recentemente em 24/10/2019: “Inexiste qualquer impedimento para o reconhecimento da multiparentalidade, sob pena de punir o filho em detrimento do descaso de seu pai biológico por anos a fio. Se este não pode ser compelido a tratar o autor como filho, deve ao menos arcar financeiramente com a paternidade responsável em relação à prole que gerou”.
Dessa forma, enfatizou que a ideia de gerar um filho não traz necessariamente efeitos patrimoniais. Neste sentido, citou cinco efeitos da paternidade meramente biológicos, sob o ponto de vista hermenêutico à decisão do STF: reconhecimento jurídico da afetividade; vínculo sócio afetivo e biológico em igual grau de hierarquia jurídica; possibilidade jurídica da multiparentalidade; consagração do direito à busca da origem genética; e direito ao pertencimento à comunidade familiar.
Sob o ponto de vista prático, avalia que a decisão do STF gerou ao filho meramente biológico a possibilidade de acumular registro de dois pais. Assim sendo, lembrou que, hoje em dia, é possível que uma pessoa tenha mais de um pai ou mãe no seu registro civil, não sendo mais necessária a anulação do registro do pai socioafetivo, como anteriormente os registradores obrigavam. “Logo o detentor da multiparentalidade não precisa escolher qual pai irá constar no registro, nem abdicar do pai sócio afetivo em detrimento do pai biológico”, explicou, acentuando que o CNJ publicou o Provimento nº 83 (14/08/2019), que altera requisitos na Paternidade Socioafetiva.
Neste Provimento, citou que o art. 10 determina que: “O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoas acima de 12 anos será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais”. Tal situação, referiu, implicada na lei de adoção, nº 13.509/17, torna mais célere o registro de pessoa maior de 12 anos por pais sócio afetivos. Caso o filho seja maior de 18 anos, disse, a situação dependerá de sua aceitação. Acrescentou, ainda, que o provimento autoriza ao registrador a inclusão de somente um ascendente socioafetivo, seja do lado paterno ou do materno.
Ainda sob o ponto de vista prático, mencionou os efeitos patrimoniais e direitos sucessórios, os quais, segundo ele, há possibilidade do filho meramente biológico buscar dupla herança, uma do pai sócio afetivo e outra do pai biológico. “Se antes se discutia que o reconhecimento da filiação sociológica produziria os mesmos efeitos pessoais e patrimoniais resultantes da filiação consanguínea, hoje temos como certa esta situação para ambos os casos”, alertou.
O terceiro ponto abordado refere-se ao Direito à Alimentos, salientando que, à priori, há possibilidade do detentor dos direitos da multiparentalidade buscar alimentos de ambos os pais, genético e sócio afetivo. Neste sentido, o advogado sugere a possibilidade de exercício do dever de solidariedade recíproca, conforme art 229 da CF, relativo ao dever de amparo na velhice concernente ao pai meramente biológico.
Dr Lúcio também mencionou o direito a pensões que poderão ser revistas em favor do filho meramente biológico em concorrência com outros irmãos registrais biológicos e/ou sócio afetivos, em especial as militares extensíveis às filhas. Relacionado ao inventário, explanou que, quando aberto, poderá ser solicitada a inclusão no polo passivo da ação, devendo ser suspenso enquanto não julgada a investigação de paternidade.
Para finalizar, o Dr Lúcio fez uma crítica à atual jurisprudência, apontando para uma possível confusão entre o direito à verdade biológica com o direito ao estado de filiação, sendo somente este último o gerador de efeitos patrimoniais concretos.
“O direito ao reconhecimento da origem genética não deveria vir acompanhado dos efeitos jurídicos da filiação quando houvesse filiação socioafetiva estabelecida ao filho meramente biológico, logo, os efeitos patrimoniais não deveriam ser ampliados”, afirmou o advogado, advertindo que tal situação causa insegurança jurídica aos adotantes, mesmo havendo previsão que a adoção rompe com os liames genéticos, sendo seguro afirmar que a “adoção à brasileira” é o principal enfoque combatido.
Neste sentido, chamou a atenção que este entendimento causa grande atraso no Brasil em relação às técnicas de Fertilização In vitro, enquanto que a Espanha se torna o maior centro de fertilidade humana no mundo, devido à óvulo doação anônima.
“A paternidade meramente biológica repercute todos os efeitos patrimoniais, independente do afeto, mesmo sendo uma obrigação legal”, concluiu.
Terezinha Tarcitano
Assessora de Imprensa