01/04/2025 07h00 - Atualizado 01/04/2025 09h10

O Planejamento Econômico no Quadro do Federalismo Brasileiro

Por Terezinha
para IARGS

A emergência climática que aflige o mundo, com o aumento – como é de conhecimento público – das emissões de gases de efeito estufa (GEEs), aliado às concentrações de população nas regiões; às desigualdades socioespaciais; às deficiências no ordenamento territorial e às elevadas interferências antrópicas nos ecossistemas naturais é de todos conhecida. Ela torna as cidades fortemente sensíveis a eventos climáticos extremos, como inundações, enchentes, escassez hídrica, secas, ondas de calor, aumento do nível do mar, entre outros, lembrando, ainda, que ocorrência desses eventos vem aumentando em frequência e intensidade. Nesse contexto, os desafios impostos à sociedade civil e ao Poder Público brasileiros mostram-se significativamente complexos, o que foi, inclusive, reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da ADPF n.º 743/DF, relatada pelo Ministro André Mendonça e tendo como redator do acórdão o Ministro Flávio Dino.

Esse estado de coisas não é estranho para os gaúchos, pois, em maio de 2024, o Estado do Rio Grande do Sul enfrentou a maior crise climática de sua história, que o levou a uma situação de inegável calamidade pública, tal como disposto nos Decretos Estaduais n.º 57.596 Decreto, de 1º de maio de 2024; 57.600, de 04 de maio de 2024; e 57.646, de 30 de maio de 2023, e cujos efeitos ainda são sentidos pela população gaúcha. Aliás, a necessidade de realização de estudos e reflexões sobre as enchentes que afetaram o Rio Grande do Sul, em maio passado, com vista à sua prevenção, ao seu enfrentamento e à busca de caminhos para a reconstrução socioeconômica e socioambiental do Rio Grande do Sul foi registrada na Coletânea “Enchentes RS”, elaborada e publicada pelo IARGS, com a colaboração de 50 de seus associados.

Todavia, ao enfrentamento da emergência climática se acrescenta um objetivo que, juntamente com este, deve integrar o topo das prioridades das agenda de todas as esferas do Estado Federal brasileiro: a superação do subdesenvolvimento, que deve ser compreendido como “uma configuração específica da periferia do sistema capitalista” – na qual se localiza o Brasil – “passível de reprodução em distintos patamares de crescimento”, no qual demandas de caráter social cultural, econômico e ambiental não são minimamente atendidas em relação a amplos setores da sociedade, que ficam claramente alijados de condições também mínimas de vida de digna[1]. Além disso, as transformações qualitativas necessárias para tanto devem qualificar o desenvolvimento como “sustentável”, o que, para Ignacy Sachs, significa estruturá-lo a “partir de eixos ou pilares interdependentes e que devem ser todos atendidos minimamente para que se possa falar realmente de desenvolvimento”. Dentre eles, destacam-se os seguintes: o social, o ambiental, o territorial, o econômico e o político[2].

O referido projeto, acolhido no artigo 3º, incisos I a III, da CRFB/1988[3], assume tamanha dimensão e complexidade, que somente pode ser implementado a partir do esforço conjugado, racionalizado e coordenado entre os diversos entes federativos, assim como entre estes e a sociedade civil. Faz-se necessário, pois, lançar mão de um velho conhecido da política econômica brasileira, tão esquecido nos dias de hoje, mas extremamente necessário na atualidade: o instituto do planejamento econômico, previsto no artigo 174 da CRFB/1988.O instituto do planejamento – cujo elemento central é a figura do plano, consistente no resultado ou materialização da atividade planejadora e que deve conter, além dos objetivos e metas de curto, médio e longo prazos, os meios para sua implementação e os mecanismos de avaliação e revisão periódica –, de acordo com Eros Roberto Grau, se volta para a “consecução de fins sociais e econômicos predeterminados, implicando a previsão de desenvolvimentos futuros como base para a tomada de decisões políticas”[4].

Nessa linha de entendimento, compreende-se o planejamento como qualificador da atividade normativa do Estado[5], da qual é um desdobramento. Sob o aspecto do federalismo, todas as unidades federativas podem planejar, desde que se tenha em mente, como ensina Ricardo Antonio Lucas Camargo, que o plano somente será constituído quando a ação econômica destas se der por intermédio de “providências decorrentes de uma racionalização dos meios a serem empregados, em direção a um fim”[6].

Logo, o planejamento econômico torna o Estado um agente privilegiado do desenvolvimento, pois “dá a consciência da dimensão política da superação do subdesenvolvimento, dimensão esta explicitada pelos objetivos nacionais e prioridades sociais enfatizados pelo próprio Estado”[7], o que, no plano federativo, se expressa pela superação dos desequilíbrios e desigualdades regional, objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, previsto no artigo 3º, inciso III, da CRFB/1988. O processo de desenvolvimento econômico no Brasil transformou algumas regiões em polos de desenvolvimento, ao passo que outras mantiveram-se em situação de estagnação ou de declínio socioeconômico, gerando imensas disparidades ao longo do território brasileiro. Para enfrentá-la, “o modelo cooperativo de organização federal é erigido sobre o fundamento básico da cooperação entre as unidades federadas, tendo por finalidade o objetivo nacional do desenvolvimento equilibrado”[8].

Conclui-se que tarefas da magnitude da reconstrução socioeconômica e socioambiental do Estado do Rio Grande do Sul, enquanto objetivo de desenvolvimento regional e cujo êxito depende da formulação e implementação de políticas públicas em matéria, por exemplo, de proteção de indicações geográficas, fomento ao turismo, otimização das malhas de transporte aéreo, terrestre e fluvial, exigirá esforços coordenados entre as três esferas federativas no curto, médio, e, porque não, longo prazo. Assim, planejar é duplamente preciso. Não apenas porque requer expertise e precisão, mas, acima de tudo, porque mostra-se fundamental para que se tenha um mínimo de racionalidade no atuar do Poder Público, isto é, alguma “luz no fim do túnel”.

[1] Cf. FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. Edição definitiva estabelecida por Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Ubu Editora, 2024, p. 89-107.

[2] SACHS, Ignacy. Desenvolvimento includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2004, p. 15-16.

[3] BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, art. 3º: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

[4] GRAU, Eros Roberto. Planejamento econômico e regra jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 13. E acrescenta esse autor: “De outra parte, o planejamento implica em que as ações do setor público sejam coordenadamente desenvolvidas. Tal característica acarreta o benefício de se impedir a ocupação múltipla e concomitante de várias unidades do setor público na perseguição de um mesmo objetivo, o que, ademais, muitas vezes poderia encaminhá-las a um regime de concorrência, em que articulassem ações contraditórias, levando os esforços desempenhados por todas elas, quando adicionados, a resultados negativos. A aplicação de técnicas de previsão e a pressuposição de ação coordenada dos vários órgãos e serviços do setor público, na busca da realização de fins predeterminados, pois, são características que discriminam o planejamento. Mais ainda, porque o produto da atividade de planejamento não se resume singelamente à definição de diretrizes, mas compreende também a determinação, ainda que em larga escala, dos meios necessários à realização dos objetivos a serem perseguidos, alinha-se também, ao lado daquelas duas características apontadas, a concernente à indicação dos meios adequados ao alcance dos fins em função dos quais a atividade de planejamento se desencadeou” (Op. cit, p. 13-14).

[5] Segundo Eros Roberto grau isso ocorre na medida em que é possível que o Estado atue sem planejamento algum, “como ocorrido em vários períodos da história brasileira, inclusive no mais recente” (GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 17ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 256).

[6] CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. Curso elementar de Direito Econômico. Porto Alegre: Núria Fabris, 2014, p. 169.

[7] BERCOVICI, Gilberto. Constituição e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. 1ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 51.

[8] BERCOVICI, Gilberto. Constituição e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. 1ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 88-89.

 

Dr. Marcus Vinícius Madeira

Associado do IARGS, Mestre em Direito Privado pelo PPGD/UFRGS, Doutorando em Direito Econômico PPGD/DIR. Professor de Direito Constitucional e Direito Econômico.

 

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