29/09/2020 08h28 - Atualizado 06/10/2020 07h42

O crescente número de registros de testamentos e a renúncia à herança

Por Terezinha
para IARGS
Artigo da advogada e administradora de empresas, Dra Isolda Berwanger Bohrer
Tema: O crescente número de registros de testamentos e a renúncia à herança
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Completam-se seis meses do início do distanciamento social. Inesperadamente tivemos de nos adaptar a uma série de situações jamais vivenciadas por nossa geração. 
 
Pensar no futuro após a morte deixou de ser mera probabilidade para ser uma necessidade. E a importância do trabalho dos aplicadores do Direito de Família e das Sucessões atualmente está em evidência, trazendo respostas às tantas dúvidas dos cidadãos. Os cartórios do Rio Grande do Sul têm registrado um aumento considerável de registros de testamentos nesses últimos meses.[1]
 
A busca pelo planejamento sucessório vem crescendo. As pessoas estão se dando conta de que o melhor caminho é deixar a vida organizada, mas também programar-se para quando não estiverem mais aqui. 
 
De fato, a maior longevidade da população brasileira e o fenômeno sempre crescente das famílias recompostas são fatores que muito contribuem para a necessidade de um planejamento sucessório.[2] E o testamento é o cerne do planejamento sucessório (Art. 1.857, CC). É ele que pode determinar não só disposições patrimoniais, mas também tantas outras como, por exemplo, o reconhecimento de filhos e disposições sobre o funeral. 
 
Em relação a sua elaboração, alguns aspectos exigem uma maior atenção, pois a sua feitura de forma apressada poderá provocar resultado contrário ao desejado. A partir do planejamento da sucessão hereditária, pode-se assegurar as melhores formas para que as aspirações da pessoa sejam concretizadas após seu falecimento. O testamento deve estar em sintonia com a lei e não deve conter vícios em seu conteúdo ou na sua forma; do contrário, o mesmo pode vir a ser anulado, no todo ou em parte. 
 
Uma boa alternativa seria se as escolhas sobre o futuro do relacionamento do casal fossem feitas no termo inicial. Porém, nem sempre é o que acontece. Dificilmente os partícipes procuram um advogado para casar ou iniciar uma união. A maioria daqueles que procuram profissionais do Direito de Família e Sucessões para fazer este contrato inicial, ou são do ramo do Direito, ou já tiveram experiências frustrantes em anteriores dissoluções. 
 
Legítima, pacto sucessório e renúncia têm sido discutidos com ênfase ultimamente. Conforme o art. 426 CC, a lei proíbe contratar herança de pessoa viva, mesmo em se tratando de consorte, e sob as vestes de uma convenção antenupcial, pois, aos olhos da legislação vigente, se trata de objeto ilícito.[3] Só este ponto pode desestimular as pessoas a desistirem de uma herança por antecipação. 
 
Renúncia não deve ser feita antes da abertura da sucessão, pois isto implicaria em pacto sucessório, legalmente proibido.[4] Nosso ordenamento jurídico continua firme na afirmação de que a renúncia antecipada da herança seria um negócio jurídico ilícito, impossível ou indeterminável (Art. 166, II, CC).[5]
 
Ademais, a possibilidade de renunciar, além da necessidade da espera da abertura da sucessão – morte – deve seguir o que diz o Art. 1.806 CC, ou seja, constar expressamente de instrumento público (no Tabelionato de Notas), por termo judicial ou termo nos próprios autos do processo de inventário, não tendo validade a outorga por instrumento particular.[6]
 
Vale dizer que, se o testador tiver a intenção de afastar um herdeiro através de um termo particular de renúncia, caberá ao advogado esclarecer que este documento não teria eficácia garantida e serviria para criar uma falsa expectativa ao testador. 
 
Seria interessante acrescentar que o herdeiro renunciante, após cumprir os requisitos para tal, é excluído da herança e tratado como se nunca tivesse existido, (Art. 1.804 CC, parágrafo único).[7] Seus filhos não poderiam herdar por representação. Se porventura o renunciante for o único filho, seus filhos serão chamados a herdar por direito próprio (Art. 1.811 CC). 
 
Em uma situação peculiar, em que um dos cônjuges, casado sob o regime de comunhão universal de bens, deseja abrir mão do bens particulares em favor do outro, tem a possibilidade de renunciar à meação; porém, é válido dizer que a renúncia à meação só poderá ser objeto de cessão por escritura pública, a título gratuito ou oneroso, com incidência de imposto de transmissão inter vivos. 
 
Pode haver intenção de um herdeiro querer renunciar à herança em favor de um dos seus genitores. Essa possibilidade existe caso o filho seja único ou se toda a classe de filhos renunciasse e, ainda, não houvesse algum neto ou ascendente.[8]
 
Um detalhe constante no Art. 1.808 CC é o de que a herança não pode ser aceita ou renunciada em parte. Não se pode aceitar parte da herança e recusar o restante que também tocaria pelo mesmo título.[9]
 
Segundo Maria Helena Diniz, “nada obsta, havendo dupla sucessão, a legítima e a testamentária, que o herdeiro renuncie inteiramente a sucessão legítima, conservando a outra ao aceitar a herança advinda de testamento; só se lhe proíbe a aceitacão parcial da herança.”[10]
 
Desde a edição do Código Civil de 2002, juristas e jurisdicionados têm buscado soluções para superar alguns impasses. Ainda que em minoria, há doutrina que defenda a extinção do pacto sucessório (pacta corvina) e a flexibilização da legítima. Questiona-se a excessiva intervenção estatal na seara conjugal e afetiva, engessando conceitos.[11]
 
Outro ponto questionado, ainda, é em relação ao regime da separação de bens após aberta a sucessão. O pensamento é o de que seria lógica a conclusão advinda de duas pessoas que se casam escolhendo o regime de separação absoluta de bens, que seus bens não se comunicassem após a morte de um dos cônjuges.[12]
 
Mas… e se o testamento e o termo de renúncia fossem originados no estrangeiro, referindo bens situados no exterior, e pertencentes a cidadão brasileiro residente no Brasil, será que haveria alguma chance de prosperarem, se não estivessem em conformidade com a lei brasileira? 
 
Levando em consideração a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro em seu Art. 10 e, ainda, no Art. 48 CPC, não haveria chance de terem eficácia. 
 
Bom, mas este assunto exigiria um novo artigo.[13]
[1] Jornal Zero Hora de 11/09/2020: “Registros de testamentos em cartórios do RS têm aumento de 187% durante a pandemia.
[2] IBDFAM. Artigo de Ana Luiza Maia Nevares. Como fazer testamento em momento de isolamento social. 26/03/2020.
[3] MADALENO, Rolf. Sucessão Legítima. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. Pgs. 24 e 25.
[4] GOMES, Orlando. Sucessões. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 25.
[5] RECURSO ESPECIAL Nº 1.433.650 – GO (2013/0176443-1) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO RECORRENTE : CONCEIÇÃO MARCIANO DE ANDRADE RECORRENTE : LAUDELINO MARCIANO DA SILVA ADVOGADOS : DIOGO LUIZ FRANCO DE FREITAS – GO026320 VERA LUCIA RODRIGUES BATISTA – GO031096 RECORRIDO : LÚCIA GONÇALVES VILELA RECORRIDO : HÉLIO VILELA ADVOGADO : JOSÉ BEZERRA COSTA E OUTRO(S) – GO001820 EMENTA RECURSO ESPECIAL. SUCESSÃO. RENÚNCIA À HERANÇA. ATO FORMAL E SOLENE. ESCRITURA PÚBLICA. ATO NÃO SUJEITO À CONDIÇÃO OU TERMO. EFEITO DA RENÚNCIA: RENUNCIANTES CONSIDERADOS COMO NÃO EXISTENTES. 1. A qualidade de herdeiro legítimo ou testamentário não pode ser compulsoriamente imposta, garantindo-se ao titular da vocação hereditária o direito de abdicar ou declinar da herança por meio da renúncia expressa, preferindo conservar-se completamente estranho à sucessão. 2. Ao contrário da informalidade do ato de aceitação da herança, a renúncia exige forma expressa, cuja solenidade deve constar de instrumento público ou por termos nos autos (art. 1807), ocorrendo a sucessão como se o renunciante nunca tivesse existido, acrescendo-se sua porção hereditária à dos outros herdeiros da mesma classe. 3. A renúncia e a aceitação à herança são atos jurídicos puros não sujeitos a elementos acidentais. Essa a regra estabelecida no caput do art. 1808 do Código Civil, segundo o qual não se pode aceitar ou renunciar a herança em partes, sob condição (evento futuro incerto) ou termo (evento futuro e certo). 4. No caso dos autos, a renúncia operada pelos recorrentes realizou-se nos termos da legislação de regência, produzindo todos os seus efeitos: a) ocorreu após a abertura da sucessão, antes que os herdeiros aceitassem a herança, mesmo que presumidamente, nos termos do art. 1807, do CC/2002; b) observou-se a forma por escritura pública, c) por agentes capazes, havendo de se considerar que os efeitos advindos do ato se verificaram. 5. Nessa linha, perfeita a renúncia, considera-se como se nunca tivessem existido os renunciantes, não remanescendo nenhum direito sobre o bem objeto do negócio acusado de nulo, nem sobre bem algum do patrimônio. 6. Recurso especial não provido. Data Julgamento: 19/11/19. (grifo)
[6] AgInt no AREsp 1585676 / PR
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
2019/0279759-7 AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E
CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES.
1. A parte agravante refutou, nas razões do agravo em recurso
especial, a aplicação da Súmula 83/STJ, não incidindo, portanto, o
óbice da Súmula 182/STJ.
2. Não há falar em violação ao art. 1.022 do Código de Processo
Civil, pois o Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao
litígio, afigurando-se dispensável que tivesse examinado uma a uma
as alegações e os fundamentos expendidos pelas partes.
3. A natureza jurídica da ação não se determina pela denominação
atribuída pelo autor no momento da propositura da demanda, mas pelo
objeto perseguido efetivamente, com análise sistemática do pedido e
da causa de pedir deduzidos na inicial, nascendo justamente dessa
análise a definição do prazo de prescrição ou decadência.
4. Na espécie, a pretensão autoral refere-se à declaração de
nulidade de partilha efetivada pela inobservância de formalidades
essenciais, devendo ser afastada a incidência do prazo ânuo previsto
nos arts 2.027, parágrafo único, do Código Civil e 1.029, parágrafo
único, do CPC/1973.
5. A renúncia da herança é ato solene, exigindo o art. 1.806 do
Código Civil, para o seu reconhecimento, que conste “expressamente
de instrumento público ou termo judicial”, sob pena de nulidade
(art. 166, IV) e de não produzir qualquer efeito, sendo que “a
constituição de mandatário para a renúncia à herança deve obedecer à
mesma forma, não tendo validade a outorga por instrumento
particular” (REsp 1.236.671/SP, Rel. p/ Acórdão Ministro Sidnei
Beneti, Terceira Turma, julgado em 09/10/2012, DJe 04/03/2013).
6. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão de fls.
880-881. Agravo em recurso especial não provido.
[7] MADALENO, Rolf. Sucessão Legítima. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. Pg. 65.
[8] REsp 36.076/MG – 1.ª T.- STJ – j.03.12.1998- Rel. Min. Garcia Vieira
Ementa: A renúncia de todos os herdeiros da mesma classe, em favor do monte, não impede seus filhos de sucederem por direito próprio ou por cabeça. Homologada a renúncia, a herança não passa à viúva, e sim herdeiros remanescentes. Esta renúncia não configura doação ou alienação à viúva, não caracterizando o fato gerador do ITBI, que é a transmissão da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis.
Recurso provido
[9] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume 7: Direito das Sucessões. 7ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. Pg. 98.
[10] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito das Sucessões. 33ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019, v. 6, p. 90.
[11] MADALENO, Rolf. Sucessão Legítima. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. Pg. 25.
[12] Ibidem. E Resp 992.749-MS.
[13] RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO INTERNACIONAL
PRIVADO. AÇÃO DE DIVÓRCIO. PARTILHA DE BENS ADQUIRIDOS NA
CONSTÂNCIA DA UNIÃO E, APÓS, O CASAMENTO. BENS LOCALIZADOS NO EXTERIOR.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA BRASILEIRA PARA A DEFINIÇÃO DOS DIREITOS E
OBRIGAÇÕES RELATIVOS AO DESFAZIMENTO DA INSTITUIÇÃO DA UNIÃO E DO
CASAMENTO. OBSERVÂNCIA DA LEGISLAÇÃO PÁTRIA QUANTO À PARTILHA
IGUALITÁRIA DE BENS SOB PENA DE DIVISÃO INJUSTA E CONTRÁRIA ÀS
REGRAS DE DIREITO DE FAMÍLIA DO BRASIL. RECONHECIMENTO DA
POSSIBILIDADE DE EQUALIZAÇÃO DOS BENS. PRECEDENTE. DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE. RECURSO ESPECIAL A QUE SE
NEGA PROVIMENTO.
REsp 1410958 / RS RECURSO ESPECIAL 2011/0244043-3T3 – TERCEIRA TURMA – Data do Julgamento: 22/04/2014 – Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO

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