23/08/2024 07h00 - Atualizado 22/08/2024 21h29

Mediação Sanitária

Por Terezinha
para IARGS

O Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul-IARGS lançou, em maio de 2024, a série intitulada Calamidade Pública, quando os associados foram convidados a escrever sobre a maior enchente ocorrida no Estado, que começou no dia 29 de abril de 2024 e que durou mais de 30 dias de cheias que afetaram mais de 2,3 milhões de gaúchos e ainda repercute na sociedade gaúcha que está sob a égide do decreto de calamidade pública que vige até 31 de dezembro de 2024. O Decreto de Calamidade no Rio Grande do Sul é de nº 57.596 de 2024.

Preservadas as questões geopolíticas, os associados do IARGS já publicaram, ao longo dos últimos meses, quase 50 artigos disponibilizados de forma on-line no site do Instituto, que representam diversos eixos temáticos no Direito e simbolizam a união da comunidade jurídica com todo o senso de pertencimento que o IARGS proporciona para discorrerem sobres os dilemas contemporâneos agravados pelo evento climático.

Os artigos colacionados na série não só traduzem o momento de sentimento de calamidade, mas registraram a repercussão individual e social da enchente de forma multidisciplinar. Temas tais como o Direito da Saúde, Direito Imobiliário, Direito Previdenciário, Direito Trabalhista, Direito de Família, Direito Aeronáutico, Direito Securitário, Direitos Humanos, Direito das Crianças e Adolescentes, Direito Civil, entre outras (re)flexões marcaram os meses de reconstrução da identidade do povo gaúcho.

A preservação do direito à memória pode ser compreendida no sentido de o povo gaúcho preservar a história para que ela não caia no esquecimento, sendo o direito à memória importante ferramenta para a investigação dos fatores de risco e proteção em casos análogos e para a futura criação de mecanismos de defesa, de controle, de prevenção e intervenção entre a sociedade, as vítimas e a interação social entre elas.

A função social do direito é manter a paz social e o pleno e sustentável desenvolvimento econômico e do meio-ambiente, sendo o estado de calamidade pública o remédio jurídico e mecanismo político adequado para os casos de situações anormais causadas por desastres com danos e prejuízos que implicam na incapacidade do poder público dar respostas e quando o Poder Executivo assume o protagonismo, mitigando os direitos individuais e sociais.

O decreto de calamidade permite o auxílio emergencial federal e renúncias fiscais e dispensas administrativas para o contingenciamento da crise, sendo as restrições fiscais viabilizadas para atendimento das vítimas e reconstrução da infraestrutura pública e privada destruídas com a enchente. O sistema constitucional de crise é limitado ao período excepcional e exige gestão e governança sob pena de descontrole dos gastos diante da flexibilização das regras orçamentárias.

Nesse diapasão, a Mediação Sanitária assume um protagonismo e alternativa viável à judicialização nesse momento extraordinário, pois é um instrumento adequado de acesso à justiça para o tratamento de vários conflitos que incluem as pautas supracitadas dos artigos publicados pelo Instituto.

Se o conceito de saúde não é apenas ausência de doença, conforme já declarado pela Organização Mundial de Saúde, mas é o bem-estar biopsicossocial, certo que as enchentes riograndenses são uma questão de saúde, sobretudo, quando impacta a sociedade e o indivíduo. Assim, a Mediação Sanitária é o diálogo e consenso possível incentivados pelo artigo 3º do Código de Processo Civil e pela Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça. Em contexto de crescentes demandas judiciais, com o sistema do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul colapsado pelas enchentes, entre outros sistemas que compõe a organização judiciária afetados, os meios consensuais de solução de conflitos salvaguardaram muitos conflitos e ainda vertem como importante via alternativa de autocomposição.

A Mediação Sanitária já é realidade em muitos países e, no sentido do processo estrutural processual ou extraprocessual, responde bem em tempo hábil a demanda do cidadão.

Mesmo com o fim da vigência do decreto de estado de calamidade pública, a Mediação Sanitária seguirá sendo tendência no sentido de transformação e trabalho focado em pautas de convergências e com muita colaboração ou cooperação. Ferramenta extremamente democrática e de muita cidadania e civismo segue em todas as especialidades do Direito.  No mais, a torcida para que voltemos ao estado constitucional de equidade, sem a vigência de decreto de calamidade pública, é grande. Em uma sociedade pluralista, o protagonismo e a interação Estado e Cidadão são vitais para o cumprimento dos objetivos do Estado Constitucional. Enquanto vige a calamidade, estamos em desequilíbrio e corremos maior risco de saúde, em sentido biopsicossocial!

Mariana Diefenthäler
Diretora do Departamento do Direito da Saúde do IARGS, advogada, presidente da Comissão Especial do Direito da Saúde da OABRS

Faça seu comentário

Você pode usar essas tags HTML:
<a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>