Mediação Sanitária
para IARGS
O Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul-IARGS lançou, em maio de 2024, a série intitulada Calamidade Pública, quando os associados foram convidados a escrever sobre a maior enchente ocorrida no Estado, que começou no dia 29 de abril de 2024 e que durou mais de 30 dias de cheias que afetaram mais de 2,3 milhões de gaúchos e ainda repercute na sociedade gaúcha que está sob a égide do decreto de calamidade pública que vige até 31 de dezembro de 2024. O Decreto de Calamidade no Rio Grande do Sul é de nº 57.596 de 2024.
Preservadas as questões geopolíticas, os associados do IARGS já publicaram, ao longo dos últimos meses, quase 50 artigos disponibilizados de forma on-line no site do Instituto, que representam diversos eixos temáticos no Direito e simbolizam a união da comunidade jurídica com todo o senso de pertencimento que o IARGS proporciona para discorrerem sobres os dilemas contemporâneos agravados pelo evento climático.
Os artigos colacionados na série não só traduzem o momento de sentimento de calamidade, mas registraram a repercussão individual e social da enchente de forma multidisciplinar. Temas tais como o Direito da Saúde, Direito Imobiliário, Direito Previdenciário, Direito Trabalhista, Direito de Família, Direito Aeronáutico, Direito Securitário, Direitos Humanos, Direito das Crianças e Adolescentes, Direito Civil, entre outras (re)flexões marcaram os meses de reconstrução da identidade do povo gaúcho.
A preservação do direito à memória pode ser compreendida no sentido de o povo gaúcho preservar a história para que ela não caia no esquecimento, sendo o direito à memória importante ferramenta para a investigação dos fatores de risco e proteção em casos análogos e para a futura criação de mecanismos de defesa, de controle, de prevenção e intervenção entre a sociedade, as vítimas e a interação social entre elas.
A função social do direito é manter a paz social e o pleno e sustentável desenvolvimento econômico e do meio-ambiente, sendo o estado de calamidade pública o remédio jurídico e mecanismo político adequado para os casos de situações anormais causadas por desastres com danos e prejuízos que implicam na incapacidade do poder público dar respostas e quando o Poder Executivo assume o protagonismo, mitigando os direitos individuais e sociais.
O decreto de calamidade permite o auxílio emergencial federal e renúncias fiscais e dispensas administrativas para o contingenciamento da crise, sendo as restrições fiscais viabilizadas para atendimento das vítimas e reconstrução da infraestrutura pública e privada destruídas com a enchente. O sistema constitucional de crise é limitado ao período excepcional e exige gestão e governança sob pena de descontrole dos gastos diante da flexibilização das regras orçamentárias.
Nesse diapasão, a Mediação Sanitária assume um protagonismo e alternativa viável à judicialização nesse momento extraordinário, pois é um instrumento adequado de acesso à justiça para o tratamento de vários conflitos que incluem as pautas supracitadas dos artigos publicados pelo Instituto.
Se o conceito de saúde não é apenas ausência de doença, conforme já declarado pela Organização Mundial de Saúde, mas é o bem-estar biopsicossocial, certo que as enchentes riograndenses são uma questão de saúde, sobretudo, quando impacta a sociedade e o indivíduo. Assim, a Mediação Sanitária é o diálogo e consenso possível incentivados pelo artigo 3º do Código de Processo Civil e pela Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça. Em contexto de crescentes demandas judiciais, com o sistema do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul colapsado pelas enchentes, entre outros sistemas que compõe a organização judiciária afetados, os meios consensuais de solução de conflitos salvaguardaram muitos conflitos e ainda vertem como importante via alternativa de autocomposição.
A Mediação Sanitária já é realidade em muitos países e, no sentido do processo estrutural processual ou extraprocessual, responde bem em tempo hábil a demanda do cidadão.
Mesmo com o fim da vigência do decreto de estado de calamidade pública, a Mediação Sanitária seguirá sendo tendência no sentido de transformação e trabalho focado em pautas de convergências e com muita colaboração ou cooperação. Ferramenta extremamente democrática e de muita cidadania e civismo segue em todas as especialidades do Direito. No mais, a torcida para que voltemos ao estado constitucional de equidade, sem a vigência de decreto de calamidade pública, é grande. Em uma sociedade pluralista, o protagonismo e a interação Estado e Cidadão são vitais para o cumprimento dos objetivos do Estado Constitucional. Enquanto vige a calamidade, estamos em desequilíbrio e corremos maior risco de saúde, em sentido biopsicossocial!
Mariana Diefenthäler
Diretora do Departamento do Direito da Saúde do IARGS, advogada, presidente da Comissão Especial do Direito da Saúde da OABRS