Hipoteca reversa
para IARGS
Tramitam na Câmara dos Deputados quatro projetos de lei que visam regulamentar no Brasil a chamada Hipoteca Reversa. São eles os Projetos de Lei 5587/2019 (Brasil, 2019b) e 369/2022 (Brasil, 2022), que instituem a alienação fiduciária em garantia reversa, e os PL’s 3096/2019 (Brasil, 2019a) e 2128/2025 (Brasil, 2025), que instituem o sistema de hipoteca reversa em favor de pessoas idosas. Resumidamente, trata-se de instituto em que a instituição financeira concede crédito ‘garantido pela residência do mutuário, com vencimento diferido para após seu falecimento, venda voluntária ou desocupação permanente do imóvel’ (PL 2128/2025, art. 2º). Em que pese todos os Projetos estejam agregados sob a designação de ‘hipoteca reversa’, alguns deles estabelecem em favor da instituição financeira não uma hipoteca, mas a alienação fiduciária do bem, alterando as regras da Lei 9.514/97.
A ideia desse instituto é, resumidamente, que o idoso dê à instituição financeira em hipoteca (ou alienação fiduciária) imóvel residencial e, em contrapartida, tenha à sua disposição, de acordo com a avaliação realizada pela instituição, um montante em dinheiro para ser pago em uma única vez ou em prestações mensais ao longo dos anos, garantindo a si, porém, o direito de habitação no imóvel até o fim da sua vida. A dívida, porém, somente seria exigível após o seu óbito, ocasião em que os sucessores teriam o direito de quitá-la, pagando o valor do empréstimo, com juros e correção monetária, mais despesas (PL 5587/2019, art. 2º). Entretanto, mesmo essa possibilidade não está prevista em dois dos Projetos de Lei (PL 3069/2019 e 369/2022)
Em todos os Projetos, a justificativa central é a ideia de garantir aos idosos “condições mais dignas de sobrevivência” (Brasil, 2019b, Justificativa), “melhorar a vida dos idosos no Brasil” (Brasil, 2025, Justificativa), “criar no Brasil uma alternativa de política pública para idosos proprietários de imóveis” (Brasil, 2025, Justificativa) ou “como mecanismo de apoio e estímulo a essa classe” (Brasil, 2019a, Justificativa).
Entretanto, faz-se três observações acerca desta assim designada ‘política pública’. Em primeiro lugar, antes de aprovar-se quaisquer dos projetos, é importante ter em mente que esta seria uma política pública em que as instituições financeiras substituiriam o poder público, com direitos sobre os imóveis após o falecimento dos titulares. A questão mais relevante, neste particular, é estabelecer de antemão um limite à cobrança dos juros, evitando-se justamente que, ao fim do contrato, o valor do imóvel não seja suficiente a cobrir os custos da dívida. Essa parece ter sido uma preocupação no PL 2128/2025, em que se estabelece que os contratos deverão estabelecer cláusulas de ‘não responsabilidade patrimonial adicional, limitando a exigibilidade da dívida ao valor do imóvel, ainda que o saldo devedor supere tal montante’ (art. 5º, parágrafo único). Entende-se, porém, que essa é uma medida insuficiente, pois, tomada como política pública, por certo o eventual prejuízo entre aquilo que a instituição financeira deixou de cobrar será custeado pelo Poder Público. Esse é um ponto que precisa ser debatido para compreender os limites da política pública e até que ponto ela não será mais onerosa do que benéfica.
Em um segundo ponto, entende-se necessário que, num plano envolvendo o planejamento urbano, os projetos sejam amplamente debatidos com a sociedade (e aqui faz-se referência aos Municípios), pois haverá potencial concentração de imóveis em um mesmo bairro ou localidade dados em garantia a uma ou mais instituições financeiras, o que enseja a capacidade de remodelar os espaços urbanos. Por exemplo, em um bairro com população predominantemente idosa, se uma grande parcela contratar a chamada hipoteca reversa, as instituições financeiras deterão direitos sobre os referidos imóveis após o óbito dos assim chamados ‘credores’, o que tem um potencial para tornar certos espaços mais visados do que outros para a construção de empreendimentos imobiliários. Por isso, ainda que se trate de uma política pública voltada para a população idosa, entende-se que ela vai além e atinge o direito à cidade, devendo ser debatida a questão tão amplamente quanto possível.
Por fim, mas não menos importante, quer-se destacar que a política pública voltada à terceira idade parece querer corrigir um problema da previdência social, que atinge a população idosa. Entretanto, ainda que louváveis as iniciativas voltadas a garantir dignidade para a população idosa, acredita-se que o mais adequado seja focar em melhorar os benefícios de aposentadoria e as condições de vida deste segmento populacional ao invés de simplesmente adotar uma política que implica, ao fim, na criação de mais uma modalidade de dívida.
Referências
BRASIL. Projeto de Lei 369/2022. Ementa – Acrescenta artigos à Lei n° 9.514, de 1997, de modo a criar o instituto da alienação fiduciária em garantia reversa de bem imóvel, também conhecido como “hipoteca reversa”. Câmara dos Deputados: Brasil, 23 fev. 2022. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2315093. Acesso em: 21 set. 2025.
BRASIL. Projeto de Lei 2128/2025. Ementa – Dispõe sobre a criação do Sistema de Hipoteca Reversa para Idosos Proprietários de Imóveis e dá outras providências. Câmara dos Deputados: Brasil, 6 maio 2025. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2504669. Acesso em: 21 set. 2025.
BRASIL. Projeto de Lei 3096/2019. Ementa – Institui o sistema de hipoteca reversa para pessoas consideradas idosas amparadas pelo Código do Idoso. Câmara dos Deputados: Brasil, 22 maio 2019a. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2204486. Acesso em: 21 set. 2025.
BRASIL. Projeto de Lei 5587/2019. Ementa – Acresce o Capítulo II-B à Lei no 9.514, de 20 de novembro de 1997. Câmara dos Deputados: Brasil, 22 out. 2019b. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2226121. Acesso em: 21 set. 2025.
Gabriel Hernandez Coimbra de Brito
Associado e Vice-Diretor do Departamento de Direito Imobiliário e Condominial do IARGS, advogado, mestrando em Direito pela UFRGS