26/06/2024 07h00 - Atualizado 26/06/2024 07h53

ESG no Agro é lucrativo e essencial para o desenvolvimento sustentável e a reconstrução do RS

Por Terezinha
para IARGS

O Rio Grande do Sul é internacionalmente reconhecido pela sua produção agropecuária. Conforme dados da Secretaria do Planejamento, Governança e Gestão, as exportações de mercadorias do agronegócio do Estado representaram, em 2023, R$16,229,904,147[1]. Segundo a revista Forbes[2], o Rio Grande do Sul exportou em 2023 para países como China, União Europeia, Estados Unidos, Argentina, Vietnã, México, Paraguai e Uruguai. Ademais, conforme os dados da Secretaria da Agricultura[3], referentes a 2022, dos R$ 594 bilhões do Produto Interno Bruto, R$ 98,6 bilhões foram gerados por meio da agropecuária. O Governo do Estado[4] estimava, ainda, que, antes das enchentes, o setor representava 394.130 vínculos ativos de empregos formais celetistas no ano de 2024.

Neste contexto, é inquestionável que a reconstrução econômica e social do Rio Grande do Sul depende da reconstrução da sua agropecuária. Entretanto, este momento de crise trouxe uma série de questionamentos sobre as práticas empresariais adotadas no Estado e, em especial, com relação às questões referentes a sua adequação às melhores práticas de produção, crescimento e desenvolvimento sustentável.

Estas reflexões se devem ao fato de que eventos climáticos extremos, como as enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul, nos próximos anos, devem aumentar em frequência e intensidade em virtude das mudanças climáticas, que conforme apontam inúmeros estudos, estão relacionadas às práticas de produção e consumo humanos, bem como pelo uso intenso de recursos naturais e de fontes de energia não-renováveis.

Para tentar mitigar os efeitos negativos das mudanças climáticas e desacelerar este processo de intensificação na sua frequência e severidade, no mundo todo, atualmente, as temáticas de sustentabilidade e a adaptação humana às mudanças climáticas estão em pauta. Na União Europeia, nos Estados Unidos, no Canadá e em diversos outros países, as práticas de ESG vêm sendo debatidas e a sua adoção e a divulgação fiel dos resultados produzidos vêm sendo objeto de regulamentação por meio de novas leis. Sob a sigla ESG, Environment, Social, and Governance, cunhada no Relatório “Who cares wins[5], publicado pela iniciativa do Pacto Global da Organização das Nações Unidas, as temáticas de preservação ambiental, respeito aos Direitos Humanos e de governança corporativa passaram a ocupar um lugar de destaque na agenda estratégica global, compelindo lideranças empresariais e políticas a agir para articular estes três eixos temáticos de modo a promover o desenvolvimento dentro da perspectiva de sustentabilidade apresentada em 1987 no Relatório Brundtland[6], que prescreve um modelo de desenvolvimento que responde às necessidades do presente sem comprometer a capacidade de resposta das gerações futuras às suas próprias necessidades.

É evidente que eventos climáticos extremos desafiam este conceito de desenvolvimento sustentável, uma vez que comprometem, senão, inviabilizam completamente, essa capacidade de resposta das gerações futuras às suas próprias necessidades, de modo que para que haja desenvolvimento sustentável é fundamental repensar os meios de produção atuais e adaptá-los às melhores práticas de ESG.

O agronegócio é particularmente vulnerável às consequências negativas das mudanças climáticas, uma vez que o as condições climáticas são um fator crucial para os seus resultados. A temperatura, a umidade, o volume de água no solo, seu grau de saturação, bem como a frequência e volume de chuvas, são apenas alguns exemplos de condições climáticas que têm impacto direto na capacidade de produção agropecuária, de maneira que mudanças nestes fatores podem inclusive inviabilizar a continuidade da produção.

Além da iniciativa do Pacto Global, a ONU, em 2015, publicou a Agenda 2030[7] para o Desenvolvimento Sustentável, trazendo 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável a ser perseguidos por governos e pela sociedade civil. A agenda 2030 trouxe uma estratégia global voltada às pessoas e ao planeta visando promover a prosperidade mundial e fortalecer a paz universal. Por meio da Agenda 2030, a ONU conclamou a todos os países e a todas as partes interessadas a atuar em uma grande parceria colaborativa para a curar e proteger o planeta Terra. Estão diretamente relacionados às questões de desenvolvimento relativas à atividade agropecuária os objetivos 2, 3, 8, 12, 13, 15 e 17, apesar de que todos os ODSs se interrelacionam.

Em dezembro de 2022, o caderno ODS[8], publicado pelo Departamento de Economia e Estatística da Secretaria do Planejamento, Governança e Gestão do RS, com relação ao combate às mudanças climáticas e a situação do RS no cumprimento das metas do ODS 13, já havia abordado a importância de o Estado ampliar a resiliência e a capacidade adaptativa a riscos e impactos resultantes da mudança do clima e a desastres naturais, uma vez que, conforme o documento, a ocorrência de desastres naturais relacionados a eventos climáticos extremos vem aumentando consideravelmente, tanto em frequência quanto em intensidade, no mundo todo, resultando em prejuízos ambientais, sociais e econômicos significativos. O mesmo relatório já destacava um estudo publicado pela ONU que apontava que, entre os desastres relacionados a eventos climáticos, o excesso de precipitação correspondia, mundialmente, a 79% do total, o que representava 55% das mortes e 85% dos prejuízos econômicos, e no RS, os eventos relacionados com excesso de precipitação registravam um número elevado, tendo representado, em 2021, 34,8% das pessoas afetadas por desastres naturais relacionados ao clima no RS.

O mesmo relatório apontou, em suas considerações finais que:

os desastres naturais relacionados com eventos climáticos extremos são ainda a principal categoria de desastres no mundo, deixando anualmente milhares de mortos e prejuízos econômicos significativos. No Brasil e no RS, não é diferente. O número de registros de desastres acompanha a ocorrência de eventos climáticos extremos, o que indica a deficiência de políticas públicas adequadas de prevenção, resposta e mitigação dos impactos desses eventos. Dado que não se pode controlar a ocorrência de fenômenos climáticos, deve-se focar na minimização dos danos, através de sistemas eficientes de monitoramento e de previsão da ocorrência dos eventos; regramento do uso e ocupação do solo (com foco nas áreas com maior vulnerabilidade); planos de contingência que garantam a eficácia na resposta e a mitigação dos danos que forem inevitáveis; entre outras políticas de prevenção e gerenciamento de risco de desastres naturais. Nesse sentido, não se notam avanços significativos na direção do cumprimento da meta, seja no Brasil, seja no Grande do Sul.

A leitura do relatório hoje, em junho de 2024, a luz da calamidade que se abateu sobre o Estado com as enchentes no mês de maio deste ano, demonstra que já possuíamos dados necessários para justificar o planejamento de ações afim de mitigar possíveis danos, mas nossa inação terá um custo que foi pago, não apenas com recursos financeiros e perdas patrimoniais e de infraestrutura, mas também em vidas humanas perdidas ou despedaçadas.

Nesse momento, então, é fundamental pensar nosso passado, presente e futuro. É imperioso que a adoção das práticas de ESG integre nossa estratégia de reconstrução. Para o nosso agronegócio, mudanças climáticas não podem ser um tema secundário, senão uma prioridade urgente que se impõe.

Uma estratégia viável para o nosso agronegócio pode ser a adoção de práticas de agricultura regenerativa, conforme a revista Forbes[9], este é um método de produção agrícola que envolve a adoção de práticas de administração das terras produtivas que vai além da produção sustentável e é capaz de restabelecer uma condição saudável ao solo. Conforme a publicação citada, fazendas que adotam práticas de agricultura regenerativa são 78% mais lucrativas. Este aumento se deve, principalmente a dois fatores, custo de produção e mercado. Sistemas de agricultura regenerativa, ao longo do tempo demandam menos sementes e fertilizantes, além de promover um aumento na diversidade de insetos, o que diminui a ocorrência de pestes. A adoção de práticas de agricultura regenerativa também permite acesso a novos mercados consumidores que buscam produtos sustentáveis certificados, bem como acesso a novos, diferentes, abundantes e lucrativos fundos de investimentos.

Conforme já foi referido, as novas leis europeias referentes a ESG devem impactar significativamente o acesso de produtos ao mercado europeu nos próximos anos, em outras palavras, produtos que não estejam à altura dos novos padrões de sustentabilidade e ESG exigidos pelas novas diretivas do parlamento europeu não terão mais acesso a este importante mercado consumidor. Estas normas impõem a divulgação de relatórios periódicos, auditados de modo independente, e que seguem rigorosos padrões internacionais, e devem divulgar e analisar uma série de indicadores específicos. Ainda, em decorrência da adoção da diretiva com relação ao dever de devida diligência, que impõe responsabilidade civil ao longo da cadeia de valor para as empresas europeias, parceiros comerciais, fornecedores e consumidores todos serão afetados e deverão a adotar os padrões europeus de ESG, sob pena de serem gradativamente excluídos das cadeias globais de valor.

Neste novo contexto que se apresenta, de reconstrução do Rio Grande do Sul, é fundamental que a sustentabilidade passe a fazer parte do nosso modo de produzir. É hora de reconhecer que crescimento econômico dissociado da proteção ao meio ambiente e da eficácia de Direitos Humanos não é desenvolvimento e, tampouco é sustentável. Se nós queremos ser livres, prósperos, felizes, saudáveis e viver em paz é fundamental abraçar de uma vez por todas as práticas de ESG. Se nós queremos seguir sendo uma referência e uma potência, nacional e internacionalmente reconhecida pela nossa produção agropecuária, temos que passar a produzir de modo sustentável, compreendendo isto como a adoção das melhores práticas de responsabilidade ambiental, social e de governança.

Referências:

https://dee.rs.gov.br/upload/arquivos/202406/18111207-exportacoes-do-agronegocio-rs-1.xlsx. Acessado em: 23/06/2024.

https://forbes.com.br/forbes-money/2024/05/eduardo-mira-enchentes-no-rs-e-seus-efeitos-sobre-a-economia-do-pais/. Acessado em: 23/06/2024.

https://globorural.globo.com/agricultura/noticia/2024/05/chuvas-rs-o-que-o-rio-grande-do-sul-produz-agronegocio.ghtml. Acessado em: 23/06/2024.

https://dee.rs.gov.br/upload/arquivos/202406/18111205-emprego-formal-do-agronegocio-rs.xlsx. Acessado em: 23/06/2024.

https://www.unepfi.org/fileadmin/events/2004/stocks/who_cares_wins_global_compact_2004.pdf. Acessado em: 23/06/2024.

https://www.are.admin.ch/are/de/home/medien-und-publikationen/publikationen/nachhaltige-entwicklung/brundtland-report.html. Acessado em: 23/06/2024.

https://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/5987our-common-future.pdf. Acessado em: 23/06/2024.

https://dee.rs.gov.br/upload/arquivos/202303/08130126-23094817-caderno-ods-13-combate-as-mudancas-climaticas-a-situacao-do-rs-no-cumprimento-das-metas-do-ods-13-dez-2022-1.pdf. Acessado em: 23/06/2024.

https://www.forbes.com/sites/forbesfinancecouncil/2020/01/30/is-regenerative-agriculture-profitable/. Acessado em: 23/06/2024.

https://eur-lex.europa.eu/legal-content/FR/TXT/?uri=LEGISSUM%3Asustainable_development. Acessado em: 23/06/2024.

[1] https://dee.rs.gov.br/upload/arquivos/202406/18111207-exportacoes-do-agronegocio-rs-1.xlsx

[2] https://forbes.com.br/forbes-money/2024/05/eduardo-mira-enchentes-no-rs-e-seus-efeitos-sobre-a-economia-do-pais/

[3] https://globorural.globo.com/agricultura/noticia/2024/05/chuvas-rs-o-que-o-rio-grande-do-sul-produz-agronegocio.ghtml

[4] https://dee.rs.gov.br/upload/arquivos/202406/18111205-emprego-formal-do-agronegocio-rs.xlsx

[5] https://www.unepfi.org/fileadmin/events/2004/stocks/who_cares_wins_global_compact_2004.pdf

[6] https://www.are.admin.ch/are/de/home/medien-und-publikationen/publikationen/nachhaltige-entwicklung/brundtland-report.html

[7] https://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/5987our-common-future.pdf

[8] https://dee.rs.gov.br/upload/arquivos/202303/08130126-23094817-caderno-ods-13-combate-as-mudancas-climaticas-a-situacao-do-rs-no-cumprimento-das-metas-do-ods-13-dez-2022-1.pdf

[9] https://www.forbes.com/sites/forbesfinancecouncil/2020/01/30/is-regenerative-agriculture-profitable/

Roberto Saraiva

Associado do IARGS. Professor da Pós-graduação em Direitos Humanos, Constitucionalismo Global e ESG e da Pós-Graduação em Direitos Humanos, Saúde e Justiça do Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Mestre em Desenvolvimento pela Università di Bologna

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