Ecologia do Sujeito: reconstruindo a subjetividade
para IARGS
RESUMO: O presente artigo se propõe a examinar a dimensão subjetiva da ecologia e suas relações com o direito. Parte-se da ideia de três ecologias de Félix Guattari que, interligadas, constituem um todo comum, e correspondem, respectivamente, às relações da humanidade com o socius com a psique e com a natureza. Três relações cuja tendência à deterioração se evidencia de modo acentuado na modernidade. Abordar-se-ão, aqui, os aspectos que dizem respeito à dimensão ecológica do próprio sujeito, revisitando os conceitos gregos de ethos, nomos e virtude. Procurar-se-á, afinal, tentar responder qual o papel do direito nessa relação da humanidade com a psique, ou seja, em que medida o direito se relaciona com a ecologia do sujeito, tangenciando, por consequência, a relação entre ética e direito.
ABSTRACT: The presente article intends to examine the subjective dimension of ecology and its relations with law. From the starting point of the three ecologies, by Félix Guattari, which, interconnected, constitute a common all, and which correspond, respectively, to the relation of mankind to the socius, to the psyche and nature. These are three relations whose tendency to deterioration is clearly evident in modernity. Here, we will approach aspects concerning the ecological dimension of the own subject, revisiting the Greek concepts of ethos, nomos and virtue. We will look to, finally, answer the role of law is, in this relation of mankind with the psique, id est, to what measure law relates to the subject’s, ecology, touching, as a consequence, the relation between ethics and law.
PALAVRAS-CHAVE: ecologia, subjetividade, ethos, direito, linguagem, vida nua.
KEY-WORDS: ecology, subjectivity, ethos, law, language, naked life.
SUMÁRIO: Introdução – 1. Ethos, Nomos e Virtude – 2. A ressingularização das subjetividades na sociedade espetacular – 3. Conclusão – Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A modernidade inaugurou a laicização do mundo e o império da racionalidade instrumental. Libertado do teísmo que conduzia as estruturas socioeconômicas do medievo, o homem chega à modernidade pela afirmativa do império da razão. Descartes inaugura definitivamente este descolamento do pensar teocêntrico ao afirmar a dúvida como condição do pensar.
Do escuro da floresta medieval, onde o locus reservado ao homem estava restrito à clareira que abrigou Tristão e Isolda[1], chegou o homem, pela iluminação racionalista, aos Jardins “Carrés” da modernidade. O homem racional, moderno, cartesiano[2], livre do teísmo que o fazia temer a floresta, quer dominar e controlar a natureza. Surgem os belos Jardins Franceses, quadrados, milimetricamente planificados e que tomam forma por meio da topiaria. LE NÔTRE[3] é o grande mestre desses Jardins dos quais se destaca o por ele renovado Jardim do Palais du Versailles.
Não há mais espaço para a floresta, o obscuro, o que a razão não explica.
Na esteira dos Jardins Quadrados, “I’homme machine”[4] somos nós. O mecanicismo[5] é filho do pensamento cartesiano.
Todos, no mundo racional moderno, têm uma utilidade, ou seja, o homem de feixe de possibilidades (contingente) é levado a um verdadeiro dirigismo que implica em tornar-se útil[6] para ser aceito. Daí para o anseio doentio da construção de um novo corpo a caminho é curto.
A Revolução Burguesa em França e a Revolução Industrial vão traçar o perfil ideológico e material do mundo burguês. A tecnologia substituirá o absoluto consagrado no teísmo e a reforma protestante introduzirá a ética do capital.[7] O acúmulo de riqueza é, agora, devido a Deus, mas, acima de tudo, ao esforço humano. Nesse contexto, o sistema capitalista vai engendrar toda uma construção de subjetividade: os sujeitos consumidores são formatados externamente segundo a ditadura da linha reta.[8]
A reta razão cartesiana libera o homem do teísmo, mas o subjuga à técnica. Esse é, em síntese, o conflito da subjetividade humana da época moderna que hoje deságua em fluidez e líquido como sugere Baumann”[9]. O capitalismo financeiro em estágio avançado pressupõe e liquidez. O homem contemporâneo vive desvinculado e sua subjetividade é ditada pelos cânones do mercado de consumo que alimenta a mola propulsora do sistema. A desintegração da rede social é a regra e no lugar do cidadão reina o indivíduo[10] egoísta, hedonista e narcisista. A produção do lixo humano coexiste com a produção de “toupeiras eletrônicas“.[11]
Nesse contexto, a ecologia assume relevante importância, retratando a necessidade da ecosofia anunciada por Guattari.
Félix Guattari [12] nos fala de três ecologias que, interligadas, constituem um todo comum, correspondentes, respectivamente, às relações da humanidade com o socius com a psique e com a natureza. Três relações cuja tendência à deterioração se evidencia de modo acentuado na modernidade.
Abordar-se-ão, aqui, os aspectos que dizem respeito à dimensão ecológica do próprio sujeito, ou seja, de sua singularização sem que, no entanto, esqueçamos que as três ecologias de Guattari são a metáfora de um todo indivisível, ou seja, do pensar ecologicamente o mundo em que vivemos. Procurar-se-á, afinal, tentar responder qual o papel do direito nessa relação da humanidade com a psique, ou seja, em que medida o direito se relaciona com a ecologia do sujeito.
Trata-se, em verdade, de investigar, por natural consequência, a significação ética do ato político ou a relação entre ética e direito, questão decisiva que se lança às sociedades contemporâneas como bem acentua Lima Vaz.[13]
- Ethos, Nomos e Virtude
O ponto de partida para compreensão do homem moderno é o pensamento grego, aqui visitado na feição aristotélica. Partamos, em primeiro, da concepção aristotélica de vida boa e virtude diretamente relacionadas às noções de physis, ethos, zoé e bios. Como assinala Agamben[14], os gregos não possuíam apenas um vocábulo para expressar aquilo que hoje entendemos por vida. Serviam-se de dois termos, semântica e morfologicamente distintos, ainda que reportáveis a um étimo comum: zoé, que exprimia o simples fato de viver, comum a todos os seres vivos (animais, homens ou deuses) e bios, que indicava a forma ou maneira de viver própria de um indivíduo ou de um grupo.
A simples vida natural era excluída da pólis propriamente dita e restava restrita ao ôikos como expressão da vida reprodutiva. Na pólis a vida era vida qualificada (bios politikós).
Os gregos reconheciam na physis a totalidade da natureza na qual o homem se achava integrado e cujas leis eram incontornáveis. O determinismo da physis é o que leva o homem, como ser dotado de voz e linguagem[15], à construção da pólis: essa construção de mundo é, em si, poética (poiésis). A singularidade do homem grego se desvela na pólis onde o homem es autonomiza do determinismo físico pela elaboração do agir intencional (prássein) na construção do mundo político e ético como esclarece Albano Pêpe[16].
Gradualmente, o homem dotado de autonomia singular afasta-se do mundo da physis (necessidade) e constrói suas próprias leis (nomos). Essa passagem do homem da physis à pólis traz consigo a exclusão da vida nua. Avida, na pólis, é bios.
Se a physis possui leis “naturais” que independem da vontade humana, na pólis, como consequência do processo de singularização do homem, pela sedimentação dos costumes e hábitos, constrói-se o ethos que à physis se contrapõe. A construção do ethos pressupõe um homem que es autodetermina, que é livre para ditar suas próprias normas de conduta o que pressupõe a liberdade de todos os cidadãos da pólis. Mas o ethos não ignora, e nem poderia fazê-lo, a ordem natural do mundo. Como assinala Albano Pepe, “a tradição grega consegue estabelecer um sofisticado equilíbrio para a compreensão da efetividade do reino da physis, lugar da necessidade e onde está manifesto o finalismo do bem. Tal equilíbrio coloca o indivíduo em face das duas dimensões que se interpenetram. Assim sendo, de um, lado encontra-se a theoria (razão teórica), enquanto contemplação da natureza; do outro lado a Política (razão prática), voltada para o bem da comunidade e do homem na sua individualidade, enquanto realização do ethos na ação humana, na praxis. Eis o lugar onde o ethos se constitui a partir da ordem normativa e da ordem normativa e da ordem natural, tal como o mundo grego concebe. O ethos, manifestação mais profunda do ser enquanto liberdade, costume e hábito, tece a formação cultural do homem grego na pólis, possibilitando um mundo pensado normativamente e que se reconstrói incessantemente”.
A vida na pólis, portanto, é a vida para o bem e os conceitos de themis e dike’[17] migram do plano da mitologia descrita na teogonia de Hesiodo[18] para o plano do projeto racional da pólis.
A diké (justiça) é o que predica a ação do cidadão da pólis, pois é a virtude por excelência. Como assinala, mais uma vez, Albano Pêpe, o homem ético se reconstrói incessantemente nessa tensão dialética que pressupõe o ethos (costume), fundado na sua realidade histórico-social, portanto, princípio e norma. Este movimento próprio da pólis se renova dialeticamente, fundamentando-se a partir de premissas prováveis e da opinião da maioria. Sendo assim, que o ethos-hexis (singularidade do sujeito ético, enquanto hábito e determinação), a partir de sua liberdade e da práxis (mediadora entre os momentos constitutivos do ethos como costume e hábito, dialeticamente mediatizados) busca sua autodeterminação, segundo procedimentos linguísticos, a partir de um discurso laicizado e atento às leis elaboradas na pólis, com sua participação efetiva.
Convém lembrar que, para Aristóteles, o Estado era a coinonia perfeita“[19], ou seja, a pólis era o agrupamento fundado na filia e no nomos, no seio do qual o ethos se reconstrói constantemente pela autodeterminação dos sujeitos em direção à virtude (justiça) e à perfeição (areté). Essa concepção aristotélica traz consigo a ideia de inacabamento do homem que Heidegger vai posteriormente anunciar.
O homem, nesse quadro, se autodetermina em direção ao viver bem (justiça), e nesse momento, é co-originário do ethos e construtor de si mesmo (ethos-hexis). Esse processo, se dá pela linguagem que Heidegger afirmará como a “casa do ser”.[20]
Resta, agora, visitarmos o homem contemporâneo e indagarmos se possui, ainda, voz e linguagem ou, apenas, voz.[21]
- A ressingularização das subjetividades na sociedade espetacular
Assevera Agamben[22] que a exceção é uma espécie de exclusão. Por consequência o estado de exceção não é, portanto, o caos que precede a ordem, mas a situação que resulta da sua suspensão. Assim, enquanto soberano, o nomos é necessariamente conexo tanto com o estado de exceção. O mundo moderno se funda, necessariamente na exceção da vida nua. A sociedade capitalista não admite e não comporta a totalidade dos homens como seres autodetermináveis. Pode-se dizer que o capitalismo engendrou uma dimensão pseudo-física da exclusão que, contudo, é co-originária da política moderna. Como esclarece Agamben[23], a vida nua tem, na política ocidental, o singular privilégio de ser aquilo sobre cuja exclusão se funda a cidade dos homens. E prossegue: “o que caracteriza a política moderna não é tanto a inclusão da zoé na polis – em si antiguíssima, nem simplesmente o fato de que a vida como tal venha a ser um objeto eminente nos cálculos e previsões do poder estatal; decisivo é, sobretudo, o fato de que, lado a lado, com o processo pelo qual a exceção se torna em todos os lugares a regra, o espaço da vida nua, situado originariamente à margem do ordenamento, vem progressivamente a coincidir com o espaço político, e exclusão e inclusão, externo e interno, bíos e zoé, direito e fato, entram em uma zona de irredutível indistinção”.
Nesse quadro, importa lembrar que, como afirma Guattari, “a subjetividade capitalística se esforça por gerar um mundo da infância, do amor, da arte, bem como tudo da ordem da angústia, da dor, da morte, do sentimento de estar perdido no cosmos… é a partir dos dados existenciais mais pessoais – deveríamos dizer mesmo infra-pessoais – que o Capitalismo Monetário Internacional constitui seus agregados subjetivos maciços, agarrados à raça, à nação, ao corpo profissional, à competência esportiva, à virilidade dominadora, à star da mísia … assegurando-se do poder sobre o máximo de ritornelos existenciais para controlá-los e neutralizá-los. A subjetividade capitalista se enebria, se anestesia a si mesmo, num sentimento coletivo de pseudo-eternidade”.[24]
A ecologia assume, então, o papel de devolver ao homem a autodeterminação da sua subjetividade, o que só é possível se assegurada for a autonomia moral.[25] Essa devolução da autodeterminação moralmente vinculada, ou seja, a ressingularização do sujeito, pressupõe a comunicação do incluído e do excluído, de bios com a zoé, do homem com a natureza entendida como algo do qual ele faz parte e que não está apenas a serviço, do globo como o ôikos de todos e da construção permanente de um ethos que assim o reconheça.
Esse processo de ressingularização do sujeito, que implica na produção autêntica da subjetividade, pressupõe o resgate das dimensões ética e estética que foram isoladas da racionalidade moderna pela primazia da razão instrumental e pelo império da tecnologia.
- Conclusão
Na modernidade, a dimensão estética foi confinada ao âmbito da arte e a ética subordinada aos ditames da economia. Ressingularizar a subjetividade é, portanto, devolver-lhe a dimensão ético-estética do mundo: libertá-la da ditadura da linha reta que tem sua ressonância na exclusão da vida nua.
Trata-se de, atuando ecologicamente nas várias frentes da vida em sociedade (escolas, associações de bairros, clubes), construir uma autonomia[26] fundada na solidariedade e na diferença que torne possível reverter o quadro espetacular do capitalismo internacional. De fato, assinala Debord, o espetáculo “é o capital em tal grau de acumulação que se torna imagem” e “origem do espetáculo é a perda da unidade do mundo, a expansão gigantesca do espetáculo moderno, revela a totalidade dessa perda: a abstração de todo o trabalho particular e a abstração geral da produção como um todo se traduz perfeitamente no espetáculo cujo modo de ser concreto é justamente a abstração”.[27]
No mundo moderno, espetacular, o homem está em profundo isolamento e a máscara (Prósopon) assume o lugar do ser. Devolver o homem ao lugar do ser (linguagem) é permitir a construção da subjetividade autônoma e autêntica integrada no todo da natureza como dela parte.
Exemplo privilegiado, nesse sentido, é a subjetividade do artista plástico e arquiteto vienense Hundertwasser que afirma ser o homem detentor de cinco peles (a epiderme, o vestuário, a casa do homem, o meio social e a identidade e o meio global – ecologia e humanidade). Esse homem, que tem “cinco peles” se constrói a si próprio e, por isso, tem seu direito de janela e seu dever de árvore. É o homem que reconhece a importância do “bolor” em contraposição à ditadura da linha reta e que explora sucessivamente cada uma de suas peles assumindo sua nudez diante da biosfera.
Como afirma Pierre Restany[28], a propósito de Hundertwasser, “os seus gestos e ações foram geralmente mal interpretados ou não compreendidos de imediato, ou seja, no momento exato da sua execução. Incompreensão em parte justificada pois as “ações” de Hundertwasser foram sempre intuitivas, espontâneas, não premeditadas, motivadas pelo sentido de uma verdade, sempre a mesma: o ódio (simbolizado pela linha recta e sua antítese espiraloide) ao racionalismo em todos os domínios e, em particular, no setor que condiciona mais diretamente o indivíduo, a estruturação do seu habitat e a determinação do seu gênero de vida. (…) Verdade simples que repousa sobre um postulado universal: a natureza é um fim em si. Não tem outras razões para além de si próprias, não existe fora dela. A perfeita autarquia de sua estrutura gera a harmonia universal, o belo. A arte é o caminho que conduz ao belo. O grande artista é o homem verdadeiro. …”
Em síntese, o homem detentor das “cinco peles” é um homem que está conectado à natureza e ao outro homem, um homem singular, mas solidário como pretende Guattari ao afirmar as suas três ecologias.[29]
Cabe ao direito assegurar esse processo de ressingularização das subjetividades individuais ou coletivas, assegurando “territórios existenciais” para que isso aconteça e propiciando estruturas que permitam resgatar condição de sentido à existencialidade – espaços de exercício de cidadania e escolha consciente das condições de vida e organização social no globo – Isso só é possível se ao direito for devolvida a dimensão ético-estética inegavelmente contida no ethos grego e que foi banida pela racionalidade instrumental geradora da sociedade espetacular e excludente que, no plano jurídico, tem seu retrato mais fiel no positivismo, sobretudo na matriz normativista de Kelsen e Hart. A não ser assim, não pararemos de produzir as legiões de excluídos – homens com voz mas sem linguagem – e refugo humano a que se refere Baumann[30] e assistiremos, passivamente, o desastre ecológico global.
Referências Bibliográficas
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[1] Aqui, uma alusão à “Forêt du Morrois” por onde Tristão e Isolda andaram errantes em sua fuga. Ver “Représentation de Tristan und Isolde – Lê mythe selon BÉROUL, disponível em http://www.sergecar.club.fr/TPE/Wagner/Wagner3.html acessado em agosto de 2006.
[2] Descartes estabelece definitivamente a separação entre corpo e espírito. Veja-se, ainda: UNAMUNDO, Miguel de. Del Sentimiento Trágico de la Vida. Errepar: Argentina, 2000, p. 85: “Y, sin embargo, necesitamos de la lógica, de este poder terrible, para trasmitir pensamientos y percepciones y hasta para pensar y percibir, porque pensamos con palabras, percibimos con formas. Pensar es hablar uno consigo mismo, y el habla es social, y sociales son el pensamiento y la lógica. Pero no tienen acaso um contenido, uma matéria individual, intransmissible e intraductible? Y no está aqui su fuerza? Lo que hay es que el hombre, prisioneiro de la lógica, sin la cual no piensa, há querido siempre ponerla al servicio de sus anhelos, y sobre todo del fundamental anhelo. Y todas las elucubraciones pretendidas racionales o lógicas em apoyo de nuestra hambre de inmortalidad, no son sino abogacia y sofisteria”.
[3] ANDRE LE NÔTRE, 1613-1693: O mais célebre dos “jardiniers” franceses, responsável pela remodelação dos Jardins do Palácio de Versailles. O Jardim à francesa é claro e geométrico, é a expressão do racionalismo e do classicismo francês do Século XVII e a monumental relação à escala humana. Nesse sentido, veja-se “André Le Nôtre”, disponível em http://www.genacestral.com/france/art/architect/le_notre_andre.php., acessado em agosto de 2006.
[4] Conceito de homme machine foi formulado por LA METTRIE, Julien Offray – 1748: “In L’homme machine disponível em www.pianotype.net/eBook/L’homme-machine.pdf, acessado em agosto de 2006: Le corps humain est une machine qui monte elle-même ses ressorts: vivante image du mouvement perpétuel. Les aliments entretiennent ce que la fièvre excite. Sans eux l’âme languit, entre em fureur et meurt abattue. C’est une bougie dont la lumière se ranime, ao moment de s’èteindre. Mais nourrissez le corps, versez dans ses tuyaux des sucs vigoreux, des liqueurs fortes: alors l’âme, généreuse comme eles, s’arme d’um fier courage, et le soldat que l’eau eût fait fuir, devenu féroce, court gaiement à la mort au bruit des tambours. C’est ainsi que l’eau chaude agiteun sang que l’eau froide eût calmé (…) Concluins donc hardiment que l”Homme est une Machine, et qu’il n’y a dans tout l”Univers qu’une seule substance diversement modifiée. Ce n’est pont ici une hyphotèse élevée a force de demandes et de suppositions: ce n’est pont l’ouvrage du préjugé, ni même de ma raison seule:j’eusse dédaigné um guide que je crois si peu sûr, si mens sens portanto, pour ainsi dire, le flambeau, ne m’eussent engagé à la suivre, em l’éclairant L’expérience m’a donc parle pour la raison; c’est ainsi que j eles ai jointes ensemble.
[5] Veja-se MARQUES , Jordino. Descartes e sua concepção de homem. São Paulo: Edições Loyolo, 1993, p. 42: “No universo cartesiano, encontramos um mecanismo fisiológico que deve ser interpretado como critério capaz de explicar com clareza e distinção os fenômenos do mundo sensível, em que reduzindo-se o universo a algumas noções, aplicam-se à matéria os mesmos princípios da mecânica. Não há, segundo Rossi, diferença essencial entre as máquinas, obra de artesãos, e os corpos naturais. Desse modo, Descartes insere seus conhecimentos fisiológicos no esquema mecanicista e os obriga a assumir o caráter mecânico que a nova realidade requer. Considerando a fisiologia como uma parte da física, ele tenta tornar clara e distinta uma ciência que por tradição era vitalista e obscura”.
[6] Aliás, a inutilidade é critério recorrente nas decisões de conflitos bioéticos. Já em 1929 JIMENEZ DE ASÚA enfrentava o tema. Ver ASÚA, L. Jiménez de. Liberdade de Amar e direito a Morrer. Ensaios de uma criminalista sobre Eugenesia, Eutanásia e Endocrinologia. Tradução de Benjamin do Couto. Livraria Clássica Editora: Lisboa, 1929, pp. 221-226.
[7] Ver WEBER, Marx. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Trad. De José Marcos Mariani de Macedo. 2ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, pp. 154-155.
[8] Aqui uma alusão ao pensamento de HUNDERTWASSER, arquiteto e artista plástico vienense – 1928.
[9] BAUMANN, Zygmunt Modernidade Liquida. Trad. de Plinio Denzien. Roi de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p. 21: “A desintegração da rede social, a derrocada das agências efetivas de ação coletiva, é recebida, muitas vezes, com grande ansiedade e lamentada como “efeito colateral” não previsto da nova leveza e fluidez do poder cada vez mais móvel, escorregadio, evasivo e fugitivo. Mas a desintegração social é tanto uma condição quanto um resultado da nova técnica do poder; que tem como ferramentas principais o desengajamento e arte da fuga. Para que o poder tenha liberdade de fluir, o mundo deve estar livre de cercas, barreiras, fronteiras fortificadas e barricadas. Qualquer rede densa de laços sociais, e em particular uma que esteja territorialmente territorizada é um obstáculo a ser eliminado. Os poderes globais se inclinam a desmantelar tais redes em proveito de sua continua e crescente fluidez, principal fonte de sua força e garantia de sua invencibilidade. E são esse derrocar, a fragilidade, o quebradiço, o imediato dos laços e redes humanos que permitem que esses poderem operem”.
[10] Ver ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro, RJ: Jotge Zahar Editor, 1994.
[11] ” Nesse sentido, leia-se Baumann, Zygmunt. Identidade. Tradução de Carlos Alberto madeiros. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor, 2005.
[12] GUATTARI, Félix. As três ecologias. Trad. de Maria Cristina .F Bitencourt, Campinas, SP: Papirus, 2004, p. 37-38.: “O princípio comum às três ecologias consiste, pois, em que os Territórios existenciais com os quais elas nos põem em confronto não se dão como um em-si, fechado sobre si mesmo, mas como um para-si precário, finito, finitizado, singular, singularizado, capaz de bifurcar em reiterações estratificadas e mortíferas ou em abertura processual a partir de práxis que permitam torná-lo “habitável” por um projeto humano. É essa abertura práxica que constitui a essência desta arte da “eco” subsumindo todas as maneiras de domesticar os Territórios existenciais, sejam eles concernentes às maneiras intimas de ser, ao corpo, ao meio ambiente ou aos conjuntos contextuais relativos à etnia, à nação ou mesmo aos direitos gerais da humanidade.
[13] VAZ, Henrique .C de Lima. Escritos de Filosofia I – Ética e cultura. 3a edição. São Paulo: Edições Loyola, 2000, p. 180: A s sociedades políticas contemporâneas encontram, no âmago de sua crise a questão mais decisiva que lhes é lançada; qual seja, a da significação ética do ato politico, ou da relação entre Etica e Direito. Na verdade, trata-se de uma questão decisiva entre todas, pois da resposta que para ela for encontrada irá depender o destino dessas sociedades como políticas no sentido original do termo, vem a ser sociedades justas. A outra alternativa que se esboça no horizonte é a dessas sociedades como imensos sistemas mecânicos dos quais a liberdade terá sido eliminada e que se regularão apenas por modelos sempre eficazes e racionais de controle do arbitrio dos indivíduos, já que então despojados de sua razão de ser como homens portadores do “ethos”.
[14] AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua 1. Trad. De Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004, p. 9.
[15] Veja-se, mais uma vez, AGAMBEN, Giorgio. Op. Cit, p. 15: “Não é um acaso, então, que um trecho da Política situe o lugar próprio da pólis na passagem da voz à linguagem. O nexo entre vida nua e política é o mesmo que a definição metafisica do homem como “vivente que possui a linguagem” busca na articulação entre phoné e logos: Só o homem entre os viventes possui a linguagem. A voz, de fato, é sinal da dor e do prazer e, por isto, ela pertence também aos outros viventes (a natureza deles, de fato, chegou até a sensação da dor e do prazer e a representá-los entre si), mas a linguagem serve para manifestar o conveniente e o inconveniente, assim como também o justo e o injusto; isto e próprio do homem com relação aos outros viventes somente ele tem o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e das outras coisas do mesmo gênero, e a comunidade destas coisas faz a habitação e a cidade (1253″, 10-18). A pergunta: “de que modo o vivente possui a linguagem?” corresponde exatamente àquela outra: “de que modo avida nua habita a pólis?” O vivente possui o lógos tolhendo e conservando nele a própria voz, assim como ele habita a pólis deixando excluir dela a própria vida nua. Apolítica se apresenta então como a estrutura, em sentido próprio fundamental, da metafisica ocidental, enquanto ocupa o limiar em que se realiza a articulação entre o ser vivente e o logos. A “politização” na vida nua é a tarefa metafisica por excelência, na qual se decide da humanidade do vivente homem, e, assumindo esta tarefa, a modernidade não faz mais do que declarar a própria fidelidade à estrutura essencial da tradição metafisica. A dupla categorial fundamental da política ocidental não é aquela amigo-inimigo, mas vida nua-existência política, zoé-bios, exclusão-inclusão. Apolítica existe porque o homem é o vivente que, na linguagem, separa e opõe a si a própria vida nua e, ao mesmo tempo, se mantém em relação com ela numa exclusão inclusiva”.
[16] PÊPE, Albano Marcos Bastos. Direito e Democracia: Aspectos do legado greco-aristotélico. Rio de Janciro: Editora Forense, 2005, p. 2 e ss.
[17] Ver, a propósito. JAEGER. Werner. Paideia – Aformação do homem grego. Trad ed Artur M. Pareira, São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 135 e ss.: “Homero apresenta-nos o antigo estado de coisas. É com outro termo que designa em geral, o direito: themis Zeus dava aos reis homéricos “cetro e themis”. Themis era o compêndio da grandeza cavalheiresca dos primitivos reis e nobres senhores. Etimologicamente significa “lei”. Os cavaleiros dos tempos patriarcais julgavam de acordo com a lei proveniente de Zeus, cujas normas criavam livremente, segundo a tradição do direito consuetudinário e o seu próprio saber. O conceito de diké não é etimologicamente claro. Vem da linguagem processual e é tão velho quanto themis. Dizia-se das partes contenciosas que “dão e recebem diké”. Assim se compendiava numa palavra só a decisão e o cumprimento da pena O culpado “dá dike”, o que equivale originariamente a uma indenização, ou compensação. O lesado, cujo direito é reconduzido pelo julgamento, “recebe dike”. O juiz “reparte dike”. Assim, o significado fundamental de dike equivale aproximadamente a dar a cada um o que lhe é devido. Significa ao mesmo tempo, concretamente, o processo, a decisão e a pena. Simplesmente, neste caso o significado intuitivo não é o original, como habitualmente, mas o derivado. O alto sentido que a palavra recebe na vida da pólis posterior aos tempos homéricos não se desenvolve a partir deste significado exterior, e sobretudo técnico, mas sim do elemento normativo que se encontra no fundo daquelas antigas formas jurídicas, conhecidas de todo mundo. Significa que há deveres para cada um e que cada um pode exigir, e, por que há deveres para cada um e que cada um pode exigir, e, por isso, significa o próprio princípio que garante esta exigência e no qual se poderá apoiar quem for prejudicado pela hybris – palavra cujo significado original corresponde à ação contrária ao direito. Enquanio themis refere-se principalmente à autoridade do direito, à sua legalidade e à sua validade, dike significa o cumprimento da justiça Assim se compreende que a palavra dike se tenha convertido necessariamente em grito de combate de uma época em que se batia pela consecução do direito uma classe que até então o recebera apenas como themis, quer dizer, como lei autoritária. O apelo à dike tornou-se de dia para dia mais frequente, mais apaixonado e mais premente. Mas esta palavra tinha ainda, em sua origem, uma acepção mais ampla, que a predestinava aquelas lutas: o sentido de igualdade. Desde o inicio esse sentido devia estar contido nela, em germe. Para melhor compreendê-lo, é preciso ter presente a ideia popular original, segundo a qual se tem de pagar igual com igual, devolver exatamente o que se recebeu e dar compensação equivalente ao prejuizo causado. É evidente que esta intuição fundamental deriva da esfera dos direitos reais, o que coincide com o que sabemos da história do direito em outros povos. Este matiz de igualdade na palavra diké mantém-se no pensamento grego através de todos os tempos.
[18] Leia-se, almbem, TORANO, Ja Teogonai -Aogriem dos deuses- Hesoido. *cd. Soã Pauol: Iluminuras, 2006, p. 62, a respeito das estações, que eram as filhas de Thémis: “Filhas de Thémis as Hórai (Estações”) são três: Equidade, Justiça e a viçosa Paz (v. 902). Os nomes das três estações põem em evidência quanto o pensamento arcaico apreende como uma Ordem única e unitária e que nós cindimos em distinções como ordem politico social, ordem natural e ordem temporal. Uma crença profunda de Hesiodo era a de que as injustiças sociais acarretavam não só perturbações e danos às forças produtivas da Natureza mas também subvertiam a própria ordem temporal. As Hórai, portanto, nascidas de Deus e Thémis, têm por função instaurar a boa distribuição dos bens sociais, as boas relações entre homens e a ordem que ritma as forças produtivas da Natureza —As Moîrai (na tradução latina, as Parcas), a “quem mais deu honra o sábio Zeus” (v. 904), fixam aos homens mortais os seus lotes de bem e de mal. Enquanto filhas de Zeus e Thémis, as Moirai representam a Fatalidade sob o aspecto positivo de configuração e ordenação dos destinados humanos segundo um peso e medida divinos; sob o aspecto negativo, essas Moirai são filhas da Noite (w. 217-9) e representam a sofrida experiência do restrito e inexorável lote de bem e de mal a que cada homem tem que se submeter como seu tinico destino. As Hórai regram a Natureza, o tempo e as ações humanas integrando-os num todo uno e indiviso. que será harmonioso ou terrivel segundo nele os homens concorram com ou sem o senso de justiça. As Moirai regram o que de bem e de mal aos homens é dado viver, segundo uma medida divina pela qual a vida humana (feliz ou desventurada) encontra sua razão de ser e se integra na ordem maior de Zeus”.
[19] Nesse sentido, ver GURVITCH, Georges. Elementos de Sociologia Jurídica. Tradução de Jose M. Cajica J.r Editorial Jose M. Cajica Junior. Publicaciones de La Universidad de Puebla. Pág. 46-53.
[20] HEIDDEGGER, Martin. A carta sobre o humanismo. Na carta sobre Humanismo, HEIDEGGER afirma que a linguagem é a casa da verdade do ser e faz uma crítica contundente à metafísica, à lógica, à física e à ética tradicionais, por considerar que estas só surgem quando o pensar chega ao fim. Nessa linha critica os “ismos” e indaga acerca da real necessidade de dar sentido à palavra Humanismo. Afirma a necessidade de menos “filosofia” e mais desvelo ao pensar. O pensar radical da essência do agir, o pensar que “abre sulcos invisíveis na linguagem”. Afirma que a linguagem é a casa do ser. Critica a ditadura da opinião pública e propõe um pensar à simplicidade, “à pobreza de sua essência precursora”. Sustenta que o verdadeiro humanismo consisteem meditar e cuidar para que o homem seja humano e não desumano, inumano, ou seja fora de sua essência. A humanidade do homem repousa na sua essência. O humanismo como empenho, para que o homem se torne livre para sua humanidade, para nela encontrar sua dignidade. O pensar atenta para a clareira do ser, enquanto deposita o seu dizer do ser na linguagem como habitação da ex-sistência. Opensar é um agir que supera toda a práxis.
[21] Não se ignora a oposição de Heiddeger ao pensamento aristotélico, sobretudo manifestada na Carta sobre o Humanismo.
[22] AGAMBEN, Giorgio. Op. Cit, p. 25.
[23] AGAMBEN, Giorgio. Op. Cit, p. 16.
[24] GUATTARI, Félix. Op. Cit, p. 34.
[25] ” A respeito da
autonomia da vontade moralmente vinculada, veja-se KANT, Immanuel.
Fundamentação da Metafisica dos Costumes e Outros Escritos. Trad. Leopoldo Holzbach. Editora Martin Claret – São Paulo – SP, 2005. Em sua obra “Fundamentação da Metafisica dos Costumes”, KANT desenvolve gradualmente uma “metafísica dos costumes” avançando do juízo moral comum ao juízo filosófico e deste até a metafísica que não
[26] A propósito, veja-se CASTORIADIS, Cornelius & COHN-BENDIT, Daniel. Da ecologia à Autonomia. Trad. De Luiz Roberto Salinas Fortes: São Paulo: Editora Brasiliense S%A, 1981, 87 p.
[27] DEBORD, Guy. Asociedade do espetáculo – Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Trad. de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Editora Contraponto Ltda., 2005, p. 23-25.
[28] * RESTANY, Pierre. O poder da arte – Hundertwasser – pintor – rei das cinco peles. Trad. de Teresa Corvelo. Lisboa: Taschen Editora, 1999, p. 17.
[29] GUATTARI, Félix. Op. Cit, p. 27: “… as três ecologias deveriam ser concebidas como sendo da alçada ed uma disciplina comum ético-estética e, ao mesmo tempo, como distintas uma das outras do ponto de vista das práticas que as caracterizam. Seus registros são da alçada do que chamei heterogênese, isto é, processo contínuo de ressingularização. Os indivíduos devem se tornar a um só tempo solidários e cada vez mais diferentes (o mesmo se passa com a ressingularização das escolas, das prefeituras, do urbanismo, etc.)”.
[30] * BAUMANN, Zygmunt Vidas desperdiçadas. Trad Carlos Alberto Mcdciros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005, p.11-13: “Nosso planeta está cheio. Essa afirmação, permitam-me esclarecer, não ven da geografia física ou mesmo humana. Em termos de espaço fisico e da amplitude da coabitação humana, o plano está longe de estar cheio. Pelo contrário, o tamanho total das terras desabitadas ou esparsamente habitadas, consideradas inabitáveis ou incapazes de sustentar a vida humana parece estar se expandindo, e não se encolhendo. A medida que o progresso tecnológico oferece (a um custo crescente, sem dúvida) novos meios de sobrevivência em habitats antes considerados inadequados para o povoamento, ele também corrói a capacidade de muitos habitats de sustentar as populações que antes acomodavam e alimentavam. Enquanto isso, o progresso econômico faz com que modos de existência efetivos se tornem inviáveis e impraticáveis, aumentando desse modo o tamanho das terras desertas que jazem ociosas e abandonadas. “O planeta está cheio” é uma afirmação da sociologia e da ciência política. Não se refere à situação da Terra, mas às formas e meios de subsistência de seus habitantes. Sinaliza o desaparecimento das “terras de ninguém”, territórios adequados a serem definidos e/ou tratados como desprovidos de habitações humanas tanto quanto de uma administração soberana – e assim abertos a (e clamando por) colonização e povoamento. Tais territórios, agora amplamente inexistentes, desempenharam durante a maior parte da história moderna o papel crucial de depósitos de lixo para os dejetos humanos produzidos em volumes cada vez maiores nas partes do globo afetadas pelos processos da “modernização”. A produção de “refugo humano”, ou, mais propriamente, de seres humanos refugados (os “excessivos” e “redundantes”, ou seja, os que ndo puderan ou nao quiseram ser reconhecidos ou obler permissão para ficar), é um produto inevitável da modernização, e um acompanhante inseparável da modernidade. É um inescapável efeito colateral da construção da ordem (cada ordem define algumas parcelas da população como “deslocadas”, “inaptas” ou “indesejáveis”) e do progresso econômico (que não pode ocorrer sem degradar e desvalorizar os modos anteriormente efetivos de “ganhar a vida” e que, portanto, não consegue senão privar seus praticantes dos meios de subsistência). Durante a maior parte da história moderna, contudo, partes imensas do planeta (“atrasadas, subdesenvolvidas”, quando avaliadas segundo as ambições do setor do planeta já moderno, quer dizer, obsessivamente modernizante) permaneceram total ou parcialmente inatingidas pelas pressões modernizadoras, escapando dessa forma de seu efeito “superpopulacional”.
Confrontadas com os nichos nodernizantes do globo, essas partes (“pré-modernas”, “subdesenvolvidas”) tendiam a ser vistas e tratadas como terras capazes de absorver os excessos populacionais dos “paises desenvolvidos” – destinos naturais para a exportação de “pessoas redundantes” e aterros sanitários óbvios e prontos a serem utilizados para o despejo do refugo humano da modernização. A remoção desse refugo produzido nas partes “modernizadas” e em “modernização” do globo foi o mais profundo significado da colonização e das conquistas imperialistas – ambas tornadas possíveis, e de fato inevitáveis, pelo poder diferencial continuamente reproduzido pela completa desigualdade de “desenvolvimento” (de maneira eufemistica, chamada de “atraso cultural”), resultante, por sua vez, do confinamento do modo de vida moderno a uma parte “privilegiada” do planeta. Essa desigualdade permitiu à parte moderna do globo buscar – e encontrar — soluções globais para problemas de superpopulação produzidos localmente. A situação pôde durar enquanto a modernidade (ou seja, a modernização perpétua, compulsiva, obsessiva e viciosa) permanecia um privilégio. Quando ela se tornou – tal como estava projetada e destinada a fazer – a condição universal da humanidade, chegaram os efeitos de seu domínio planetário. A modernização progrediu de modo triunfante. alcançando as partes mais remotas do planeta; a quase totalidade da produção e do consumo humanos se tornaram mediados pelo dinheiro e pelo mercado; a mercantilização, a comercialização e a monetarização dos modos de subsistência dos seres humanos penetraram os recantos mais longinquos do planeta; por isso, não se dispõe mais de soluções globais para problemas produzidos localmente, tampouco de escoadouros globais para excessos locais. Na verdade, é o contrário: todas as localidades (incluindo, de modo mais notável, aquelas com elevado grau de modernização) têm de suportar as consequências do triunfo global da modernidade. Agora se veem em face da necessidade de procurar (em vão, ao que parece) soluções locais para problemas produzidos globalmente”.
Dr. César Vergara de Almeida Martins Costa
Membro do Conselho Superior do IARGS