Descaso da cultura de segurança
para IARGS
Convido-o para uma experiência: imagine diversas pessoas acomodadas num tubo de alumínio pressurizado, sentadas em cima de toneladas de combustível altamente inflamável, cujo deslocamento ocorre por meio da ignição de queimadores que não devem incendiar e, ainda, ficam suspensas no ar; parece perigoso, certo? Pois é, trata-se de um avião!
O que torna a aviação comercial o meio de transporte mais seguro é justamente a cultura de segurança presente desde o projeto de determinada aeronave até sua exploração associada à permanente manutenção dos equipamentos e ao contínuo treinamento dos tripulantes.
Entretanto, noutras atividades e demais meios de transporte, em especial o rodoviário, parece que há flagrante descaso na cultura de segurança, fato que aparenta se tratar de uma ostensiva cultura de irresponsabilidade diária no trânsito nas grandes cidades e nas estradas.
Diariamente são noticiados inúmeros acidentes, em sua maioria, decorrentes de simples desatenção ou falta de consciência situacional das pessoas envolvidas, quiçá devido à falta de cultura de segurança dos condutores.
Em face do desenvolvimento acelerado da ciência e tecnologia, criou-se fenômeno social denominado de “sociedade de risco”, conforme conceito desenvolvido pelo sociólogo alemão Ulrich Beck, ao argumentar que a modernidade gerou novos tipos de riscos globais, como desastres ambientais, pandemias, crises econômicas e tecnológicas.
Apesar de ser “sempre melhor prevenir que remediar”, as circunstâncias desta percepção de sociedade contemporânea apresentam inúmeros riscos, os tradicionais, normalmente mais localizados e previsíveis, e os modernos globais, invisíveis e frequentemente imprevisíveis.
Sem dúvida, as recentes enchentes no Rio Grande do Sul, comprovam que as mudanças climáticas impactam todas as regiões, o que resulta na globalização dos riscos, agravada pelas ameaças dos acidentes nucleares e ciberataques resultantes da crescente produção industrial e científica.
De fato, a percepção de insegurança é constante, principalmente, em decorrência do aumento do terrorismo cibernético e ciclos pandêmicos que exigem novas formas de governança e regulação dos riscos inerentes à sociedade de riscos.
Estas circunstâncias atestam que a cultura de segurança e a sociedade de riscos são conceitos interligados e refletem nas transformações sociais, tecnológicas e políticas em relação à segurança e à percepção do risco na sociedade digital.
A denominada cultura de segurança refere-se ao conjunto de valores, atitudes e práticas adotadas por indivíduos, organizações e governos para minimizar riscos e aumentar a proteção em diversos setores, como saúde, trabalho, transporte e tecnologia.
Com efeito, a construção da cultura de segurança requer capacidade de compreender os perigos envolvidos em determinadas atividades por meio do desenvolvimento da consciência dos riscos potenciais inerentes à cada atividade.
Esta percepção sobre os riscos, requer adotar medidas preventivas para mitigar acidentes e incidentes contra riscos conhecidos e determinados e agir com precaução em face dos riscos hipotéticos ou virtuais.
Sem dúvida, a educação e treinamento de pessoas por meio de normas e políticas de capacitação contínua, tanto na esfera pública quanto privada, são ferramentas imprescindíveis para lidar e compreender a verdadeira dimensão dos riscos de cada atividade.
Numa sociedade de risco, a cultura de segurança se torna essencial para mitigar os efeitos negativos dos avanços tecnológicos e das novas ameaças globais. Por isso, governos e empresas precisam investir em políticas preventivas, enquanto os indivíduos devem adotar comportamentos mais seguros e responsáveis.
A falta de cultura de segurança nas pessoas é um problema que contribui para a ampliação dos riscos e aumento da vulnerabilidade individual e coletiva. Esse problema tem sido percebido em diversas áreas, como no trânsito, no ambiente de trabalho, no uso de tecnologia e até na saúde pública.
O descaso na cultura de segurança pode ser observado por diversos prismas, talvez sua gênese decorra do desconhecimento e da própria falta de educação, pois muitas pessoas não são adestradas sobre segurança desde cedo, o que as torna menos propensas a adotar comportamentos preventivos.
Além disso, a falsa sensação de segurança se comprova quando as pessoas não percebem os riscos reais ao seu redor, tendem a agir de forma negligente, como ignorar avisos das autoridades sobre eventos climáticos ou até continuar dirigindo automóvel sob forte tempestade.
Um hábito que contribui para a cultura de irresponsabilidade, é perceber que, apesar de todas as informações e recomendações, ainda há motoristas que não usam cinto de segurança e manuseiam aparelhos celulares ao dirigir e, na esfera no trabalho, têm trabalhadores que ignoram normas de segurança na execução de suas funções e o uso correto do equipamento de proteção individual quando fornecido pelo empregador.
A cultura do imediatismo e da improvisação aumentam os riscos, haja vista que, muitas vezes, as pessoas priorizam a rapidez ou a conveniência em vez da segurança, como por exemplo o simples ato de atravessar a rua fora da faixa de pedestres numa via movimentada porque é “mais rápido”.
Como as regras de segurança não são adequadamente fiscalizadas e em diversas ocasiões eventuais punições não são aplicadas, há um incentivo para o descumprimento das normas e regras de prevenção.
Uma característica cultural e social típica de nossa sociedade é a ideia de que “acidentes acontecem” e que prevenir é exagero de proteção e porque não há fiscalização rigorosa e, em alguns contextos, a falta de segurança é normalizada.
Veja-se no caso do transporte rodoviário intermunicipal, muitas vezes, a falta de cinto de segurança não elide que a empresa utilize este assento, diferentemente, do transporte aéreo, cuja poltrona não poderá ser usada até que seja devidamente consertada.
Dentre as consequências do descaso da cultura de segurança, verifica-se o contínuo aumento de acidentes e tragédias no trânsito, em casa, no trabalho, na saúde pública e, até nas hospedagens em hotéis.
Vale ressaltar que todo hotel ou pousada deve apresentar orientações sobre saída nos casos de emergência, mas pouquíssimas pessoas se atentam a esta simples atitude pró-ativa para saber para onde deve se dirigir numa circunstância anormal.
A prova disso, é a quantidade de pessoas que por não desenvolverem a cultura de segurança acabam por não observar as orientações disponibilizadas nos prédios durante incêndios, incluindo-se locais de hospedagem
Atualmente, há empresas na área da saúde como hospitais e clínicas que já buscam critérios de certificação nos moldes dos padrões aeronáuticos visando adequar procedimentos e metodologias que avaliem e identifiquem riscos nas diversas etapas em cirurgias, exames clínicos, fiscalização do descanso de plantonistas e outras iniciativas.
Infelizmente, a falta da cultura de segurança impacta no custo social e econômico da coletividade com o aumento dos gastos em hospitalizações, reparos aos danos em propriedades e indenizações, sem esquecer as lamentáveis perdas humanas e redução da qualidade de vida decorrente das tragédias que poderiam ser evitadas com simples medidas prudenciais.
Afigura-se que o desenvolvimento da cultura de segurança deve ser um esforço coletivo e implementado por meio de campanhas, treinamentos e incentivos para práticas seguras dentro das empresas, governos e influenciadores que precisam dar o exemplo para estabelecer políticas públicas e privadas eficientes na construção e mudança de mentalidade das pessoas.
Voar é seguro, porém sempre haverá a possibilidade de uma aeronave se acidentar e a confiança das pessoas no transporte aéreo deve-se à cultura de segurança aplicada em todas as etapas da atividade aeronáutica e comprova a sua importância em dirimir os riscos inerentes às operações com aeronaves.
Portanto, valorizar a cultura de segurança numa sociedade de risco é um meio prudente de assegurar a prevenção e precaução de tragédias nas inúmeras atividades humanas.
Todo o acidente deve ser evitado!
Eduardo Teixeira Farah
Associado do IARGS, graduado em Direito pela PUC/RS, pós-graduado em Direito e Economia pela FGV, Mestre em Direito dos Negócios pela UFRGS, presidente da Comissão Especial de Direito Aeronáutico e Aeroespacial da OABRS 2025/27 e aviador