16/04/2024 09h41 - Atualizado 16/04/2024 09h41
Artigo- Reconhecimento de Maternidade de Mãe Não Gestante em Uniões Homoafetivas: Avanço ou Retrocesso?
Por Terezinha
para IARGS
para IARGS
Artigo da Diretora-Adjunta do Departamento de Direito e Bioética do IARGS, Drª Melissa Telles Barufi, advogada familiarista com foco na família parental
Tema: Reconhecimento de Maternidade de Mãe Não gestante em Uniões Homoafetivas: Avanço ou Retrocesso?
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Desde a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o país tem testemunhado uma evolução na garantia dos direitos individuais e coletivos, fundamentados no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Com o advento do novo milênio, essa trajetória ganhou impulso, à medida que a sociedade se aproxima e supera preconceitos em relação às diversas formas de constituição familiar, reafirmando, assim, a igualdade entre os filhos. No cenário jurídico atual, a discussão sobre a diversidade familiar e a proteção dos direitos dos filhos torna-se cada vez mais premente, pois o cumprimento prioritário da carta magna é essencial para evitar que indivíduos vivam à margem da sociedade, privados de direitos fundamentais, como já ocorrera em diversas situações.
Recentemente, uma decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe à luz a importância do reconhecimento da maternidade e da proteção dos filhos em famílias que transcendem os modelos tradicionais. O julgamento do Recurso Extraordinário (RE) de n.º 1.211.446/SP, com repercussão geral, marcou um ponto de inflexão ao reconhecer o direito à licença-maternidade para mães não gestantes em uniões estáveis homoafetivas. Essa decisão não apenas reiterou o compromisso do Estado com a equidade e a igualdade de gênero, mas também destacou a necessidade urgente de adaptar o ordenamento jurídico às novas configurações familiares, que agora incluem técnicas de reprodução humana assistida.
O Caso em Questão e os Fundamentos do Julgamento
No caso analisado, uma servidora pública municipal, que não gestou o filho, cuja companheira, trabalhadora autônoma, engravidou por meio de inseminação artificial, teve seu direito à licença-maternidade questionado pelo Município de São Bernardo do Campo (SP). O questionamento baseava-se na alegação de que a servidora não havia dado à luz e, portanto, não teria direito ao aludido benefício previdenciário.
No entanto, o relator do caso, Ministro Luiz Fux, em seu voto, destacou que a licença-maternidade é uma proteção constitucional que beneficia tanto a mãe quanto a criança e que deve ser garantida independentemente da origem da filiação e da configuração familiar. Fux também enfatizou que conceder o benefício fortalece o direito à igualdade. “O reconhecimento da condição de mãe à mulher não gestante em união homoafetiva, no que se refere à concessão da licença-maternidade, fortalece o direito à igualdade material e, simbolicamente, demonstra o respeito estatal às diversas escolhas de vida e configurações familiares existentes”. Desta forma, o ministro relator responsável pelo processo reconheceu a licença-maternidade como um direito resguardado às pessoas da mulher e da criança, porém classificou como não igualitário conceder o benefício para ambas as mães. Para tanto, sustentou a tese de que a mãe não gestante teria o direito ao prazo análogo à licença-paternidade.
A proposta de tese a ser aplicada em casos semelhantes foi aprovada por maioria e estabelece que: “A mãe servidora ou trabalhadora não gestante em união homoafetiva tem direito ao gozo de licença maternidade. Caso a companheira tenha utilizado o benefício, fará jus à licença pelo período equivalente ao da licença-paternidade” (vide informativo sob o n.º 1.128 do STF).
Divergências e Perspectivas Futuras
Durante o julgamento, houve divergências entre os ministros em relação à tese proposta. O Ministro Flávio Dino, ao se posicionar, salientou a perspectiva de duas mulheres e dois homens compartilhando a responsabilidade parental sobre um filho, destacando a necessidade premente de uma equidade que transcende os modelos tradicionais. Por outro lado, o Ministro Alexandre de Moraes enfatizou a inviabilidade de replicar o modelo tradicional de casamento para uniões homoafetivas, defendendo o reconhecimento de ambas as mulheres como mães. Essas diferentes perspectivas refletem a complexidade do tema e a necessidade de um amplo debate sobre as questões relacionadas à família parental e aos direitos parentais emergentes de novas formas de família.
Reconhecimento da Maternidade em Contextos não Gestacionais
O reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do direito à licença-maternidade para mães não gestacionais em uniões homoafetivas não apenas reflete as mudanças sociais e culturais em curso, mas também indica um reconhecimento gradual do impacto das novas formas de família na ordem jurídica brasileira. Até aqui temos um avanço.
No entanto, a proposta de equiparar a licença-maternidade ao período de licença-paternidade, quando a companheira já usufruiu do benefício, levanta questionamentos. Ao sugerir que a outra mãe usufrua do auxílio-paternidade, os ministros evidenciaram a inadequação de tentar encaixar essas novas configurações familiares em modelos tradicionais. Essa abordagem não apenas desconsidera a diversidade e complexidade das relações familiares contemporâneas, mas também não atende à ordem constitucional, que preza pela igualdade e equidade.
Essa decisão faz refletir sobre a dinâmica da família como uma instituição em constante evolução, adaptando-se às experiências e necessidades das pessoas que a compõem. A sociedade brasileira, assim como o judiciário, já se movimentou pelo reconhecimento da dupla maternidade e dupla paternidade. Inclusive, no próprio registro de nascimento do filho constará os nomes de ambas as mães, sendo que nenhuma anotação será feita para identificar a mãe gestacional, lembrando que inclusive a mãe não gestacional poderá ser a mãe biológica. Filho não se classifica, se reconhece.
Conclusão
O futuro chega rapidamente e exige mudanças correspondentes. O reconhecimento de direitos e garantias não pode mais esperar com a mesma paciência do passado. O mundo mudou, e o presente abandona o antigo modelo de família em prol de uma diversidade que inclui avanços científicos. É importante ressaltar que essa pluralidade não ameaça a família tradicional, mas sim se integra como novas possibilidades. No futuro, os preconceitos que afetam essas realidades serão superados, e as novas formas de família serão compreendidas como regras de inclusão, mas o futuro já é agora.
César Vergara de Almeida Martins Costa 7 meses
Parabéns pelo Excelente e lúcido artigo!