01/02/2023 09h20 - Atualizado 01/02/2023 09h20
Artigo- Litígio Zero ou Elitização do Processo Administrativo
Por Terezinha
para IARGS
para IARGS
Artigo da Drª Alice Grecchi,vice-presidente e
Diretora do Departamento de Direito Tributário do IARGS
________________________________________________________________________________
No Estado Democrático de Direito o indivíduo possui, antes mesmo do que obrigações, direitos, cuja fruição cabe ao Poder Público assegurar.
Nessa linha, a Constituição Federal prevê uma série de direitos e garantias fundamentais, que visam a proteger o cidadão, contra eventuais abusos do Estado. Entre eles figura, em seu art. 5º, LV, o direito ao devido processo legal, que assegura ao contribuinte, inclusive na esfera administrativa, o contraditório e a ampla defesa. Confira-se:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Pois bem. A Medida Provisória nº 1.160, de 12 de janeiro de 2023, editada em atenção a uma proposta do Ministro da Fazenda, elitizou o processo administrativo, determinando o julgamento, pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), apenas dos processos envolvendo valores elevados. De fato, em seu art. 4º, veda a interposição de recursos voluntários ao CARF, relativos a autos de lançamento ou controvérsias, cujos montantes sejam inferiores a mil salários-mínimos.
Ora, nas Delegacias de Julgamento (DRJ’s), os recursos administrativos são apreciados exclusivamente por auditores fiscais, que, no mais das vezes, decidem com base, não nas leis, mas na injurídica interpretação a elas dada por instruções normativas. Basta uma simples pesquisa na jurisprudência dos Tribunais Superiores, para encontrar centenas de decisões que declararam muitas delas ilegais.
Em vista desse quadro, o certo é que a esmagadora maioria dos contribuintes, pessoas físicas e jurídicas, terão que cumprir decisões administrativas no mínimo questionáveis ou, se tiverem condições econômicas para tanto, se socorrer do Poder Judiciário, com todos os ônus que isso acarreta (contratação de advogados, pagamento de custas, depósitos dos montantes em discussão etc.).
Por outro lado, esta medida provisória permitirá que a autoridade fiscal inviabilize o acesso ao CARF dos recursos administrativos, simplesmente lavrando, sobre o mesmo episódio que considera ilícito, vários autos de lançamento, relativos a períodos de tempo sucessivos, de modo a “transformar” um débito tributário superior a mil salários-mínimos, em vários de valores a ele inferiores.
Como se vê, a limitação em tela ao recurso voluntário – que, de acordo com o próprio Ministro da Fazenda, reduzirá em mais de 70%, o número de processos que entram no CARF – restringiu o direito ao contraditório e à ampla defesa, pelo que o art. 4º, da Medida Provisória nº 1.160/2023, é flagrantemente inconstitucional.