Artigo- Lei nº 14.138/2021 e a Ampliação da Presunção de Paternidade
para IARGS
Artigo da Dra Kamila Moreira Lohmann, advogada especialista em Direito de Família e Sucessões; Pós-Graduada em Direito Civil e Processo Civil; Coordenadora da Comissão da Infância e Juventude do IBDFAM/RS; Diretora do Instituto Proteger; Membro da Comissão Especial de Direito de Família e Sucessões da OAB/RS.
Tema: Lei nº 14.138/2021 e a Ampliação da Presunção de Paternidade
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O Ordenamento Jurídico Brasileiro reconhece que o estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça. Esta disposição consta expressa no artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/1990.
Há, no entanto, algumas situações que dificultam o alcance a esse direito, gerando a necessidade de buscar o auxílio do Poder Judiciário, e uma das ferramentas existentes é a interposição de Ação de Investigação de Paternidade.
Em 1992 foi publicada a Lei de n.º 8.560 que regulamenta a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento, sendo que, no ano de 2009, houve uma alteração importante no seu texto com a inclusão do artigo 2º-A, e parágrafo único, que trata sobre os meios para provar a verdade dos fatos, e a possibilidade de presunção da paternidade em casos de recusa do investigado em se submeter ao exame de código genético – DNA.
Doze anos depois desta alteração, foi promulgada a Lei n.º 14.138, de 16 de abril de 2021, que acrescenta ao artigo 2º-A o parágrafo 2º (renumerando o primeiro parágrafo) para permitir, em sede de ação de investigação de paternidade, a realização do exame de pareamento do código genético (DNA) em parentes do suposto pai, com a possibilidade de aplicar a presunção de paternidade também neste caso, nos seguintes termos:
Art. 2o-A. Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos.
- 1º. A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético – DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.
- 2º Se o suposto pai houver falecido ou não existir notícia de seu paradeiro, o juiz determinará, a expensas do autor da ação, a realização do exame de pareamento do código genético (DNA) em parentes consanguíneos, preferindo-se os de grau mais próximo aos mais distantes, importando a recusa em presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.
Este parágrafo acrescentado pela nova Lei é um complemento ao que já previa a legislação, em consonância ao que vem sendo aplicado pelos Tribunais, ou seja, a possibilidade de coleta de material genético de parentes consanguíneos do suposto genitor, nas ações de investigação de paternidade, quando, por algum motivo, for inviável a realização com o próprio investigado.
A evolução da ciência e da tecnologia trouxe para a sociedade a possibilidade de realização de um simples exame para verificar o vínculo biológico entre as pessoas, que pode ser mediante a coleta de fio de cabelo dos envolvidos. Muitas ações que foram julgadas anteriormente, e tiveram resultado improcedente por falta de provas da paternidade, puderam ter novos julgamentos, com a realização do exame de DNA para verificar a existência do vínculo biológico.
Ocorre que no Brasil, ainda há muitas crianças que são registradas sem o nome do pai, o que gera reflexos negativos na sua vida, principalmente ao seu desenvolvimento saudável. Assim, em observância ao direito ao reconhecimento da origem, o direito à identidade, bem como os direitos previstos no artigo 227 da Constituição Federal, e no Estatuto da Criança e do Adolescente, vários setores se uniram com programas visando sanar esta omissão.
No âmbito judicial, a Ação de Investigação de Paternidade mostra-se uma ferramenta importante, porém, o Poder Judiciário não pode obrigar ninguém a se submeter a uma coleta de material genético. O direito à preservação da integridade física é invocado pelo investigado que tenta “fugir” do exame de DNA.
Em razão disso, sobreveio a possibilidade de aplicar a presunção de paternidade, em prol do filho, nos casos em que o investigado se negava a realizar o exame.
O Código Civil de 2002 prevê no artigo 231 que “Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa”, e, ainda, no artigo 232 prevê que “A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.”. Ou seja, a negativa do investigado a realizar o exame de DNA não pode vir em seu beneficio e, de outro lado, a sua recusa pode suprir a prova que se pretendia.
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, sumulou o tema nos seguintes termos: “Súmula 301: Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.”
Então, essa disposição foi inserida na Lei n.º 8.560, de 1992, no artigo 2-A, parágrafo único (atual parágrafo primeiro), e a recusa do investigado a se submeter ao exame passou a gerar a presunção relativa de paternidade, devendo ser sempre apreciada em conjunto com as demais provas do processo.
Porém, existem casos em que o suposto pai já faleceu ou não se tem notícias do seu paradeiro.
Nessas situações, várias são as medidas e provas pleiteadas nas ações de investigação de paternidade, e, dentre elas, a realização de exame de DNA em parentes do suposto pai, e até exumação de cadáver para realização do exame.
Todavia, esta última opção se trata de medida mais drástica, sendo autorizada quando não se tem mais nenhum meio de obter a prova da paternidade. Trata-se de uma medida de grande dificuldade, principalmente quando já decorrido longo tempo do falecimento, e pelo alto custo para o Estado. Ainda, a família do falecido, muitas vezes, impunha princípios morais e religiosos para evitar a realização desta medida.
Então, a medida que vem sendo aplicada no caso de o investigado ser falecido ou desaparecido, é a determinação de aplicação do exame de DNA com outros parentes consanguíneos do suposto pai. Desta forma, a possibilidade de realizar o exame com outros parentes – preferindo-se os de grau mais próximo – busca maior efetividade e celeridade no reconhecimento do vínculo.
Entretanto, os parentes também podem se negar a realizar o exame de DNA, o que muito ocorre quando o reconhecimento do vínculo de parentesco pode trazer alterações quanto aos direitos sucessórios decorrentes do falecimento do investigado. Assim, vários motivos e obstáculos são impostos para a realização do exame genético.
Na íntegra dos votos do Projeto da nova Lei, há referência de que o exame é de grande simplicidade, não gera constrangimento e, acima de tudo, deve ser observado que o direito de reconhecimento do estado de filiação se sobrepõe ao direito de privacidade, e tem sérias repercussões na vida do registrado.
Então, na mesma linha que já se via no parágrafo 1º do artigo 2-A da Lei n.º 8.560/1992, houve a ampliação da possibilidade de presunção de paternidade, estendendo-a para o caso de recusa dos parentes do suposto pai, em realizar o exame de DNA.
Ou seja, na hipótese de o pai ser falecido, ou não se ter notícias do seu paradeiro, pode ser solicitada a realização do exame de DNA com os parentes consanguíneos e, havendo a recusa em participar do exame, é possível aplicar a presunção do parentesco.
Esta presunção vem em prol do filho, e também deve ser analisada em conjunto com as demais provas do processo, mas verifica-se uma evolução favorável.
Inclusive, importante mencionar que, em alguns casos, já vinha sendo permitida a aplicação de medidas coercitivas para que os parentes se submetessem ao exame genético, com fundamento no artigo 139, inciso IV do Código de Processo Civil[1], tendo o próprio Superior Tribunal de Justiça proferido julgamento neste sentido[2].
Assim, verifica-se que a ampliação da presunção de paternidade, estendendo-a aos parentes consanguíneos que se recusam a realizar o exame de DNA, é uma evolução no sistema legislativo, mas, antes de aplicar esta presunção, há possibilidade de pleitear outras diligências no processo com a intenção de fazer com que os parentes façam o exame de DNA. Afinal, o objetivo da ação é a busca pela verdade real dos fatos, e somente na impossibilidade, pela recusa dos parentes, cumulada com o conjunto probatório, é que haverá a possibilidade da presunção de paternidade.
Desta forma, conclui-se que a alteração legislativa veio acrescentar meios para tentar reduzir o número de filhos sem registro completo, visando à efetivação dos direitos primordiais que são devidos para identidade de cada ser humano, como o seu reconhecimento de filiação.
Referências:
Site Superior Tribunal de Justiça
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Inicio
Site do Planalto
https://www.gov.br/planalto/pt-br
[1] “Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
(…)IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;”
[2] https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Juiz-devera-aplicar-medidas-coercitivas-a-familiares-que-se-recusam-a-fazer-DNA–sejam-ou-nao-parte-na-investigacao-de-pate.aspx