07/06/2022 08h24 - Atualizado 07/06/2022 08h24
Artigo- COVID-19, risco persistente no ambiente de trabalho
Por Terezinha
para IARGS
para IARGS
Artigo do Dr Sylvio Roberto Corrêa de Borba, médico, advogado, associado do IARGS, Procurador Municipal de Porto Alegre (inativo) e Mestre em Direito da Saúde
Tema: COVID-19, risco persistente no ambiente de trabalho
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Nos últimos dias, houve significativo aumento do número de pacientes internados em leitos clínicos e em UTIs no Rio Grande do Sul, como se depreende dos alertas enviados, pelas autoridades de saúde, a todas as regiões COVID do estado. O índice de reprodução basal médio, muito conhecido como taxa R, que mede o número de indivíduos que se contamina a partir de um único contaminado, está acima de 1 no estado, indicando consistente propagação da infecção.[1] Com a aproximação dos meses frios, há preocupação em garantir que a capacidade instalada do sistema de saúde não venha a sofrer a desmedida pressão que se instalou no início da pandemia.
Pandemias são fenômenos cambiantes, comprometendo em massa a população. Dessarte, novamente vem à tona a necessidade de se conservar a higidez do ambiente de trabalho. Num momento em que a economia gaúcha inicia uma tímida recuperação, cuidados para com o ambiente de trabalho são fundamentais para que se evite marcado incremento da transmissão viral e, com isso, prejuízo e desemprego uma vez mais se aprofundem. Afinal, não se pode esquecer que algumas variantes virais em curso, se menos propensas a originarem quadros clínicos de maior gravidade são, inobstante, mais transmissíveis do que as anteriores (delta, ômicron) e, por isto mesmo, potencialmente perigosas, porque podem manter a infecção à custa do desleixo dos contaminados, despreocupados com o curso de um quadro clínico frustro. Sendo a COVID uma doença de grande prevalência, não haverá controle se não se controlarem também sua incidência e a duração média da doença.
Sabe-se, há quase dois séculos, que quanto mais elevada a posição social de um indivíduo, melhor será sua saúde. À medida em que se desce a escala social, reduz-se a expectativa de vida e aumenta a frequência de diversas doenças.
Neste, como em outros setores, desigualdade mata. Isto é relevante, porque a recuperação econômica depende da manutenção da saúde dos trabalhadores. As novas formas de trabalho, popularizadas pela pandemia, como o teletrabalho, atingem, no máximo, cerca de 10% da população ocupada.
Se, como ensinava Durkheim, entre os gregos antigos as artes eram incensadas e os ofícios pouco valorizados, as primeiras podiam (e podem) ser cultivadas individualmente, ao passo que os últimos muitas vezes exigiam (e exigem) a reunião de um grupo para sua execução. Justamente por isso, entre os antigos romanos, os artífices, em geral estrangeiros sem participação na vida pública, reuniam-se em corporações que, ao longo dos séculos, passaram ainda a desempenhar funções de ensino profissional, financiamento de instalações, proteção de seus membros e organização do exercício profissional, constituindo o germe dos atuais sindicatos. Mister este muito necessário, com efeito, já que, na presente pandemia, coube aos diplomados em curso superior o trabalho à distância, pouco ameaçador. Quanto aos demais, a premência da própria necessidade foi o motor do enfrentamento do respectivo risco laboral. Pouco mudou. Decididamente, doenças não são democráticas.
O ambiente do trabalho está protegido por normas de cunho constitucional, situadas no art. 7.º da Carta, e ainda pelos arts. 154 e seguintes da CLT. Releva observar que o art. 16 da Convenção n.º 155 da OIT, em vigor no Brasil desde 1993, exige que os empregadores garantam que tanto os locais de trabalho, quanto o maquinário e equipamentos nele utilizados, sejam seguros e não envolvam riscos para a saúde dos trabalhadores. No mesmo sentido dispôs o art. 19 da lei n.º 8.213/91. Vale dizer: neste sistema, não se exige a ocorrência do dano. A mera existência do risco já impõe obrigações ao empregador.
O vírus da COVID-19 (SARS-CoV-2) é um contaminante ambiental. Assim, cada empregador, considerando características específicas de seu ambiente laboral, deverá nele atuar antecipadamente, minimizando riscos e prevenindo ameaças à saúde. Sua responsabilidade é objetiva; não há necessidade de perquirição de culpa (art. 3.º, III, a e b, da lei n.º 6.938/81).
Trabalho decente é trabalho seguro. A busca do risco zero no ambiente de trabalho constitui obrigação legal, e não apenas moral, do empregador. Não existe um dever geral de evitar danos, mas existe um dever de cuidado, que se dirige àqueles a quem a lei haja designado. É o caso do empregador, com relação a seus empregados.
Todos os meios utilizados até o momento – limpeza, ventilação, uso de máscaras no trabalho, lavagem frequente das mãos – devem seguir sendo utilizados. Contudo, não há abordagem preventiva mais eficaz no controle deste risco do que a vacinação. Ainda assim, no país a vacinação de adultos está quase estacionada, em que pese superior a 80% da população. Já os índices de aplicação da dose de reforço crescem lentamente, e a vacinação de crianças apenas se inicia.
É chegado o momento de a sociedade civil organizada, empresas e sindicatos atuarem mais fortemente no controle da poluição do ambiente laboral representada por este vírus, inclusive pleiteando aquisição direta de vacinas, a serem distribuídas no âmbito de sua respectiva atuação. Este esforço deve ser consentâneo e duradouro, para que se minimizem as fontes de reinfecção.
Diversos países autorizaram a compra de vacinas, definidas pelas autoridades de saúde, diretamente por empresas, exigindo, no entanto, que a distribuição atingisse não apenas os empregados, mas ainda seus familiares e contactantes. Outros, como o Brasil, impuseram o atendimento inicial dos grupos prioritários, efetuado pelo poder público. Neste passo, é de pensar que, em muitos lugares, já se haja atingido o ponto a partir do qual a própria lei brasileira permite a participação de outros atores nesta equação (art 2.º, §§ 1.º e 2.º, da lei n.º 14.125/2021).
O desenvolvimento desigual na proteção da saúde e no controle das doenças constitui um perigo comum, devendo ser evitado (OMS). A pandemia se mantém. Tudo indica estar longe do fim. Se empresários detêm obrigação legal de controle de riscos em seu ambiente de trabalho, e se o governo, neste âmbito, não logra alcançar resultados, é preciso que todos se unam, para que todos sejam protegidos. Empresários e sindicatos, deixando de lado diferenças políticas, devem reunir concertadamente seus esforços para a proteção dos trabalhadores e da economia. Já é hora!
[1] BRASIL. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE. EXACTUM. NÚCLEO TRANSDISCIPLINAR DE TEORIA, MODELAGEM, TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO DE PANDEMIAS. Uma aproximação para o índice de reprodução basal médio do RS. 19 mai 2022. Disponível em https://exactum.furg.br/media-do-indice-de-reproducao-basal-r0. Acesso em 29 mai 2022.