23/11/2021 11h14 - Atualizado 23/11/2021 11h14

Artigo- Cinco Grandezas do Direito Penal

Por Terezinha
para IARGS
Artigo do Desembargador Marco Aurélio Moreira de Oliveira, professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da UFRGS e membro do Conselho Superior do IARGS
Tema: Cinco Grandezas do Direito Penal
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A Ordem Jurídica atua sempre a partir de interpretações de leis, de modo teórico, antes da ocorrência de qualquer fato relevante a ser examinado. Cuida-se, após, de condutas socialmente ofensivas sobre elas recaindo verdadeiras grandezas necessárias à incidência do Direito Penal.
 
Surge, então, inicialmente, existência de fato decorrente de conduta inadmissível, mas relevante para exame necessário dentro da primeira grandeza do Direito Penal. Sem esse fato, inaplicável será o direito punitivo, exigindo-se também, para sua incidência, a presença de um dano à sacralidade de bem protegido pelo direito. Com essa ofensa, nasce o relevo criminal da conduta contida no fato, pois o Direito Penal rege-se pelo princípio da ofensividade. A seguir, é de se examinar a causação desse resultado (art. 13 do CP) em relação à conduta do agente que a produziu. Ou seja, como síntese dessa grandeza, exige-se um fato, uma conduta, e a causação de um resultado danoso, segundo o princípio da ofensividade.
 
A segunda grandeza do Direito Penal, conclui-se, deve ser a da própria lei punitiva, a incidir, sobre fato causador de ofensa a bem juridicamente protegido, segundo o disposto no XXXIX do art. 5º da Constituição e art. 2º do Código Penal, conformes com a legalidade, a anterioridade e a irretroatividade da lei penal, além dos demais elementos que nela constem.
 
Ora, o fato deve apresentar elementos reais nele existentes, além de relevantes ao direito. Em consequência, exige-se que uma lei, para sobre ele incidir, contenha elementos descritivos exatamente iguais aos que dele constam, para assim colorir o suporte fático em sua incidência. A norma legal que recai sobre o fato, denomina-se de tipo, à semelhança dos tipos destinados a impressão de palavras, havendo, pois, tipicidade no fato, ante a incidência da norma legal a ele correspondente.
 
O tipo descreve um fato, uma conduta e sua relação de causa com o resultado, bem como a cominação de pena, em sua parte objetiva. Essa incidência sobre o fato, traz, em si, sua subjetividade ou elemento psicológico, isto é, o dolo ou a culpa, ambos impulsionadores da conduta no fato. Portanto, será atípico o fato se na conduta não houver a presença do dolo, direto, segundo a vontade, ou o eventual pela aceitação do resultado ao “assumir ado risco de produzi-lo”, segundo o Código, ou sem a culpa consciente quanto ao resultado ou inconsciente, mas havendo previsibilidade desse resultado. Ambos, dolo e culpa, são os elementos subjetivos necessários e de uso alternativos, um ou outro, do fato a ser examinado.
 
Passa-se, após, a cuidar da terceira grandeza do Direito Penal, dizendo ela respeito ao direito penal como um todo essencial, inclusive com as normas complementares do fato típico e sua aplicação, como ocorre em normas sobre o tempo e o espaço, além das excludentes de tipicidade, da antijuridicidade e da culpabilidade reprovável, e das analogias (legis et juris).
 
Nas demais normas gerais, encontram-se as de crimes incompletos, de casos de consunção, especialidade e subsidiariedade, de concurso de crimes, de normas de aplicação de penas e de sua execução, além de casos de aplicação e extinção das sanções penais. Incluem-se, ainda, casos de erro de tipo, de ilicitude do fato sobre pessoas, bem como de aberratio ictus. O Código ainda aceita leis extravagantes de cunho penal, esparsas e ligados à inteireza do direito penal, e normas internacionais de cunho interpretativo ou aplicativo.
 
Ou seja, já se examinou o fato, a lei penal e o direito penal como um todo, tanto na primeira, na segunda e na terceira das cinco grandezas do Direito Penal, devendo-se passar, agora, ao exame da quarta grandeza.
 
A quarta das grandezas, após o exame das anteriores, denomina-se grandeza da ordem jurídica.
 
Nela, encontra-se a adequação entre o Direito Penal e outros elementos que o complementam na disciplina da vida social. Com primazia, apresenta-se a Constituição, sobrepairando a ordem sociojurídica. Nela, no caput do art. 5º, fica estabelecida uma expressão incontestável: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se a inviolabilidade (dos direitos) nos termos seguintes:” seguem exaustivos incisos em favor das prerrogativas dos cidadãos. Após, vêm as normas referentes aos crimes de responsabilidade, bem como sobre o direito civil, o tributário, o direito de família, o processual, o eleitoral, além do Estatuto de Roma, do Pacto de São José da Costa Rica, e de outros tratados internacionais, e respeito à presunção de inocência. A partir dos dois referidos estatutos, encontra-se o princípio universal de que um acusado só pode ser reconhecido culpado “além de qualquer dúvida razoável”, segundo o art. 66, item 3, Tribunal Penal Internacional. As normas modernas reiteram o milenar brocardo do in dubio pro reo, nele cabendo ainda o direito a recursos com seu pleno exaurimento.
 
Finalmente, estamos a cuidar da quinta e última grandeza, situada acima de todas suas antecedentes.
 
Embora as demais grandezas sejam examinadas e aplicadas na incidência do Direito Penal, nele se considera uma finalidade especial a ser respeitada, do universo jurídico. A finalidade, da quinta grandeza, é a necessária proclamação do justo nas relações interpessoais. No universo punitivo, o justo situa-se acima do conjunto normativo, direcionado a uma finalidade absoluta, necessária e incontestável: a aplicação da Justiça, considerada como sendo a quinta grandeza do Direito Penal.
 
Usa-se, então, uma verdadeira pedra angular do Direito Penal, a tragédia Antígona, de Sófocles do ano 442 aC. Nela, Antígona opõe-se a Creonte, ditador de Tebas, desobedecendo um edito por ele proclamado. Devia, portanto, ser castigada com morte ante a conduta praticada ao descumprir frontalmente a ordem do soberano. A isso, ela responde: “Não foi com certeza Zeus que determinou o edito, nem a Justiça, em seu trono, que o ordenou para os homens. Nem eu supunha que tuas ordens pudessem superar leis não escritas, perenes, dos deuses, não sendo de ontem nem de hoje, sempre vivas, sem se saber quando surgiram”.
 
Acima da lei, temos algo extraordinário, não sendo justo suportar rupturas entre a lei e o humanismo, pois vivemos em convívio social. O que se chama de normas divinas, existem muito naturalmente antes do estado, tendo-se originado em favor e para as pessoas.
 
Os direitos essenciais, sendo indisponíveis, estão situados acima e além das normas legisladas, não podendo ser mutilados por ninguém; nem pelo estado por mais poderoso que o seja.
 
A ordem jurídica está obrigada a promover sua adequação à Justiça, situada na quinta grandeza do Direito Penal, essencial finalidade a ser proclamada e garantida pelo estado de direito.

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