Administrando Crises: Lições da Pandemia e das Enchentes
para IARGS
Tolstoi inicia Anna Karenina dizendo que “As famílias felizes são todas iguais; as infelizes o são cada uma à sua maneira.” Yossi Sheffi, um dos professores do Curso de Gestão de Crises e Continuidade de Negócios (Crisis Management and Business Continuity) do MIT e autor de The Power of Resilience, cita esta frase ao se referir a crises.
Em 2019, tive a oportunidade de frequentar o Curso Crisis Management and Business Continuity no Massachusetts Institute of Technology – MIT, onde pude conhecer o que há de mais moderno em termos de gerenciamento de crises.
Gestão de Crises e Continuidade do Negócio é uma disciplina que se concentra na preparação, resposta e recuperação de uma organização frente a eventos disruptivos que podem comprometer suas operações. A gestão de crises envolve a identificação e avaliação de riscos, desenvolvimento de planos de resposta específicos e comunicação eficaz durante situações de emergência. Já a continuidade do negócio visa garantir que as funções críticas da organização continuem operando durante e após uma crise, minimizando interrupções e danos. Ambas as áreas trabalham juntas para assegurar que a organização possa enfrentar adversidades de maneira estruturada e eficiente, mantendo a resiliência e a estabilidade operacional.
Crises podem ser tanto situações cotidianas e banais, como problemas técnicos em sistemas de TI ou a ausência inesperada de funcionários-chave, quanto, nas palavras do influente escritor Nassim Nicholas Taleb, eventos imprevisíveis e de grande impacto, os “cisnes negros”.
Ao longo de menos de cinco anos, nós, gaúchos, enfrentamos duas grandes crises que tiveram um impacto significativo no nosso modo de vida. A pandemia nos afastou do convívio em grandes grupos por um longo período, afetando não apenas a economia, mas também acelerando práticas que talvez levassem anos para serem implementadas, como a popularização do trabalho em home office e as reuniões e audiências por vídeo. As enchentes, por sua vez, trouxeram uma grande quantidade de pessoas desabrigadas, além de milhares de empresas, inclusive de grande porte, que se viram, de repente, desprovidas não apenas de suas sedes, mas de todo estoque e maquinários, representando um prejuízo incalculável.
Em gestão de crises, eventos disruptivos são aqueles que perturbam as operações normais de uma organização ou sociedade de maneira inesperada e significativa. Esses eventos podem ser tecnológicos, econômicos, ambientais ou sociais e têm o potencial de transformar radicalmente a maneira como as coisas funcionam.
Portanto, se formos estender o conceito nestes termos, passamos ainda por dois outros eventos: a plataformização das relações de trabalho, decorrente da tecnologia dos aplicativos que permitem que relações de trabalho se estabeleçam por intermediação de ferramentas de internet, como o transporte de passageiros mediado pela Uber e empresas como iFood e Airbnb; e a Inteligência Artificial, especialmente através da ferramenta ChatGPT, da OpenAI. Com suas funcionalidades que simulam a inteligência humana, a IA tem um potencial praticamente infinito de aplicações, muitas das quais podem substituir o trabalho humano, principalmente em tarefas menos especializadas, com vantagens significativas. Por exemplo, um sistema de atendimento ao cliente programado de forma eficiente com IA pode identificar, com muito mais precisão e qualidade, situações que requerem a intervenção de um supervisor capaz de tomar decisões, evitando atrasos causados por soluções prontas ou padrão e melhorando a eficiência e a satisfação do cliente.
Sobre crises, portanto, o que podemos dizer é que elas acontecem. E continuarão a acontecer e serão, na sua maioria, inesperadas. Isso não significa que não possamos e não devemos nos prevenir. Posso, sem pensar muito, imaginar algumas futuras potenciais crises que podem nos abater com força. Duas pelo menos relacionadas ao clima. Enquanto escrevo este artigo, alguns países da Europa, como Espanha e Itália, enfrentam uma onda de calor que chega a 50°. É importante registrar que nossos ar-condicionados não suportam temperaturas superiores a 45°, ou seja, podem não funcionar ou apresentar defeitos caso operem acima de tais temperaturas. Tampouco em temperaturas inferiores a 10°.
Ou seja, caso os efeitos do aquecimento global façam a temperatura do nosso Estado oscilar acima de 45° ou abaixo de 10°, teremos uma outra grave crise de difícil gestão.
Uma outra situação que passou praticamente despercebida foi o desaparecimento de alguns milhares de colmeias, por conta das enchentes. As abelhas são essenciais para a polinização de uma grande quantidade de vegetais que servem de alimentos para os animais e seres humanos, a ponto de se atribuir a Albert Einstein a previsão de que, se as abelhas se extinguirem, restariam apenas quatro anos para que a humanidade siga o mesmo destino, sendo verdadeiro que a população destes insetos tem sofrido um decréscimo constante ao longo dos anos.
Não esqueçamos de tratar um outro tema interessante que, provavelmente em 1941, não representou nem uma fração da crise atual: os animais de rua. A adoção de animais domésticos e o seu convívio em apartamentos acabaram criando um vínculo afetivo muito maior entre os seus donos hoje do que havia no século passado. Por conta disso, a preocupação da população com o seu abandono acabou tendo uma imensa repercussão, a ponto de o governador do Estado sinalizar com incentivo econômico a quem adotar os animais que ainda estão em abrigos.
Não raro, é o próprio Estado, ou algumas de suas esferas, que provoca tais crises. Uma das causas apontadas pelas últimas enchentes é a falta de dragagem dos rios. Conforme notícia da página da Justiça Federal, as licenças de mineração para a dragagem do Guaíba estão suspensas desde março de 2021, por decisão judicial. Por outro lado, há notícias de que a extinção do Departamento de Esgotos Pluviais de Porto Alegre, com a assunção de suas atribuições pelo DMAE, teria contribuído para que os sistemas de prevenção de enchentes não tivessem tido a priorização necessária.
Nem mesmo algo parecido com um “Apocalipse Zumbi” pode ser de todo descartado como uma crise a ser administrada. O Conselho Nacional de Justiça instituiu, em 2023, o que denomina de “política antimanicomial”, determinando o fechamento das instituições atualmente existentes. Na semana anterior à elaboração do presente artigo, o Supremo Tribunal Federal descriminalizou o porte de maconha para uso próprio, enquanto, em São Paulo, o governador limitou a região denominada Cracolândia, na capital, onde ficam até 800 pessoas por dia usando drogas. Bem sabemos que agrupamentos de pessoas desocupadas podem ficar sem controle, como o que ocorreu em Brasília em 08 de janeiro de 2021, causando danos inclusive em locais bem policiados como a Praça dos Três Poderes e os prédios ali situados. Imagine-se em uma zona residencial.
O investimento na prevenção, assim como um bom sistema de gerenciamento de crises, não geram visibilidade. No entanto, quando falham, sim. Se em setembro de 2001 o Governo dos Estados Unidos tivesse fechado o seu espaço aéreo antes do atentado às Torres Gêmeas, tudo o que teríamos seria uma vaga lembrança de um desconforto causado a algumas dezenas de milhares de passageiros.
Em Porto Alegre, pouca gente sabia que havia bombas para evitar que áreas mais baixas alaguem ordinariamente, tampouco sabíamos dos diques ou do funcionamento do muro da Mauá. A história do município é matéria a ser ensinada nas escolas e a referência às Enchentes, tanto a de 41 quanto a do corrente ano, incutirão nos jovens a responsabilidade pela defesa da cidade.
Além de estratégias e recursos tecnológicos, a atuação dos voluntários durante crises se mostrou essencial. Durante as enchentes e a pandemia, a mobilização de cidadãos para ajudar os mais necessitados, seja distribuindo alimentos, fornecendo abrigo ou apoio emocional, demonstrou a força da solidariedade em momentos de adversidade. Esses voluntários são verdadeiros heróis que, muitas vezes, operam silenciosamente para manter a coesão e a esperança nas comunidades afetadas.
Concluindo, a gestão de crises é tanto uma arte quanto uma ciência. Exige preparo constante, resiliência e, acima de tudo, a capacidade de aprender com as adversidades. As crises que enfrentamos nos últimos anos, desde a Pandemia até as enchentes devastadoras, nos mostraram que a preparação e a resposta rápida são essenciais para minimizar os danos e garantir a continuidade das operações. Devemos continuar investindo em infraestrutura, tecnologia e capacitação para que, quando a próxima crise inevitavelmente chegar, estejamos prontos para enfrentá-la de maneira eficaz e resiliente. A responsabilidade de proteger e fortalecer nossa comunidade é de todos nós, e juntos podemos construir um futuro mais seguro e próspero.
Jorge Alberto Araujo,
Juiz Titular da 5ª Vara do Trabalho de Porto Alegre
Associado do IARGS