06/10/2020 07h36 - Atualizado 06/10/2020 09h41

A relação advogado-cliente e a (não) aplicação do CDC

Por Terezinha
para IARGS

Artigo da advogada, Mestre em Direito e especialista em Direito do Consumidor, Dra Gisele Santos Cabral

Tema: A relação advogado-cliente e a (não) aplicação do CDC 

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O presente artigo propõe uma reflexão sobre as relações advogado-cliente e a aplicação ou não do Código de Defesa do Consumidor. 

O advogado é um dos elementos da administração democrática da justiça, na defesa dos direitos sociais, na luta pela concretização dos direitos humanos, a fim de assegurar o Estado Democrático de Direito. Como afirma nosso sempre presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Lamachia, ao referir-se ao artigo 133 da Carta Maior: “a leitura deste artigo deve ser feita de forma ampliada, pois não somos apenas indispensáveis à justiça no campo processual, mas também no campo social, na busca da igualdade, da fraternidade e da correção das desigualdades. Este é o papel efetivo de cada advogado”[1]

A relação entre advogado e cliente deve ser baseada na confiança, possuindo o advogado os deveres de informação e aconselhamento, deveres técnicos e de perícia e deveres de cuidado e diligência[2]. Entretanto, algumas vezes, a atuação do advogado ocorre de forma adversa aos ditames profissionais, acarretando prejuízo a toda a sociedade, sobretudo ao cliente. Dessa forma, é possível que se busque a responsabilização civil do advogado. Nesse contexto, surge o questionamento: a relação advogado-cliente deverá ser regulamentada pelo Código de Defesa do Consumidor? 

O tema não é pacífico. A mais consagrada doutrina no âmbito do Direito do Consumidor e da Responsabilidade Civil – constituída por Claudia Lima Marques[3], Bruno Miragem[4], Paulo Lobo[5], Cavalieri Filho[6], Paulo Nader[7], entre outros, – entende é que a relação advogado-cliente é, de fato, relação de consumo, portanto, devendo ser regida pelo Código de Defesa do Consumidor. Em linhas gerais, os renomados autores indicam a aplicação do CDC principalmente por dois motivos: a) é um serviço prestado mediante remuneração[8]; b) presente a vulnerabilidade técnica do cliente em relação ao advogado[9]

Por outro lado, a tendência dos tribunais é de afastar a aplicação do CDC. Nesse sentido, entende-se que as relações entre advogado e cliente deverão ser regulamentadas pelo Estatuto da OAB[10]. A doutrina minoritária, representada por Assis Júnior[11] e Rui Stoco[12], segue na mesma direção. 

A advocacia é a profissão que tem como diretriz base a busca pela justiça e pela defesa da democracia, da Constituição Federal e dos direitos humanos, sendo incompatível com a comercialização e mercantilização. Sendo assim, ousando discordar dos nossos mais reconhecidos mestres, entendemos que a advocacia não é serviço de natureza consumerista, sendo afastada a aplicação do CDC para os serviços advocatícios. 

Ademais, ao recorrer aos métodos tradicionais de resolução de antinomias, verificamos que o Estatuto da OAB é lei especial em relação ao CDC. Em outros termos, o Código de Defesa do Consumidor trata das relações gerais de consumo, não havendo dispositivo explicito sobre os serviços advocatícios. O Estatuto da OAB, por sua vez, é lei especial, que abarca todas as diretrizes profissionais, incluindo a responsabilização do advogado em caso de descumprimento dos deveres profissionais. A responsabilização do advogado é de natureza subjetiva, isto é, apurada mediante verificação da culpa[13]

Destacamos que o Estatuto da Advocacia é a fonte normativa do advogado, a qual estabelece regramento bastante rígido em relação à atuação do profissional. Sendo assim, não se pode falar em protecionismo, tampouco em cooperativismo ao defender que o advogado é regido por estatuto próprio. 

Com efeito, o advogado é um dos alicerces da democracia. Nossa missão é valorosa e bela, mas, por vezes, íngreme e espinhosa. Para trilhar esse caminho, é necessário que tenhamos uma conduta reta, obedecendo os preceitos constitucionais e os estabelecidos no Estatuto da OAB e no Código de Ética da Advocacia. Assim, poderemos efetivar nosso compromisso de luta pela justiça, defesa da boa aplicação das leis e efetivação dos direitos fundamentais.

[1] Palestra proferida no Congresso Nacional da OAB, no painel “A Constituição de 1988 e o Advogado: Prerrogativas e Aspirações dos Advogados no Brasil Contemporâneo”.

[2] Conforme lição de MIRAGEM, Bruno. Direito civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2015. P. 624 e ss.

[3] MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 6ª ed. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2019. Livro eletrônico.

[4] MIRAGEM, Bruno. Direito civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2015.

[5] LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

[6] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.

[7] NADER. Paulo. Curso de direito civil, volume 7: responsabilidade civil. Rio de Janeiro, Forense, 2010

[8] Art. 3º § 2º do CDC: “ Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

[9] O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor é um dos princípios norteadores do direito do consumidor, conforme art. 4º, I do CDC.

[10] Nesse sentido: TJ-DF 07294212920178070001 DF 0729421-29.2017.8.07.0001, Relator: Ana Cantarino, Data de Julgamento: 08/05/2019, 8ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 20/05/2019, disponível em https://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/899353131/7294212920178070001-df-0729421-2920178070001?ref=serp. AgRg no AgRg no AREsp 773476 / SP

Agravo regimental no agravo regimental no agravo em recurso especial

2015/0212740-6, disponível em https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201703228197&dt_publicacao=29/03/2019. REsp 1134709/MG, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, quarta turma, julgado em 19/05/2015, dje 03/06/2015). disponível em https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp.

[11] ASSIS JÚNIOR, Luiz Carlos. Responsabilidade civil do advogado na teoria da perda da chance. Revista Forense, v. 416, Rio de Janeiro: Forense, jul/dez 2012, p. 497-508.

[12] STOCO, Rui. A responsabilidade civil do advogado à luz das recentes alterações legislativas. Revista dos Tribunais. São Paulo, vol. 797, mar 2002, p. 60-80.

[13] Art. 32 do Estatuto da OAB: “O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa”.

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