18/03/2025 07h00 - Atualizado 18/03/2025 08h14

A apuração disciplinar no âmbito das Forças Armadas

Por Terezinha
para IARGS
  1. Introdução

A disciplina e a hierarquia são pilares fundamentais das Forças Armadas, assegurando a operacionalidade e a coesão das tropas. Para garantir a observância desses princípios, os militares estão sujeitos a um sistema de apuração disciplinar rigoroso, o qual pode resultar em punições proporcionais à gravidade da transgressão cometida. Cada Força possui um regulamento disciplinar específico, definindo as regras para a imposição de sanções e os procedimentos administrativos para sua execução. A constante atualização desses regulamentos visa assegurar que os princípios constitucionais sejam respeitados e que o processo de apuração ocorra de forma justa e eficiente.

  1. Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas

2.1 Regulamento Disciplinar do Exército (RDE)

O RDE, aprovado pelo Decreto nº 4.346, de 26 de agosto de 2002, estabelece as transgressões disciplinares e os procedimentos para sua apuração. A disciplina no Exército é definida como “a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições”. A apuração de uma transgressão pode ser feita por meio de Sindicância ou do Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar (FATD), sendo este último o instrumento utilizado para infrações de menor gravidade.

2.2 Regulamento Disciplinar da Marinha (RDM)

O RDM, aprovado pelo Decreto nº 88.545, de 26 de julho de 1983, tem propósito semelhante ao RDE, especificando e classificando as transgressões disciplinares e estabelecendo normas para a imposição de penas. Ele enfatiza a necessidade de respeito à hierarquia e à disciplina naval, determinando que as infrações sejam apuradas por meio de sindicâncias, processos disciplinares, e, em casos mais graves, processos administrativos que podem resultar na exclusão do militar.

2.3 Regulamento Disciplinar da Aeronáutica (RDAer)

O RDAer, aprovado pelo Decreto nº 76.322, de 22 de setembro de 1975, disciplina a conduta dos militares da Força Aérea, estabelecendo regras para a manutenção da hierarquia e disciplina. Assim como nos demais regulamentos, a apuração disciplinar na Aeronáutica pode ser realizada por meio de sindicância ou processos administrativos, sempre observando o devido processo legal e as garantias fundamentais dos envolvidos.

  1. Instrumentos de Apuração Disciplinar: FATD e Sindicância

No âmbito das Forças Armadas, todavia, ante a ausência de uma previsão legal, e porque a Lei 8.112/90 não abrange os servidores militares, o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) não é adotado como instrumento de apuração de faltas disciplinares. Mas com o advento da Constituição Federal de 1988, justamente pelo vácuo legislativo existente sobre a matéria, e dadas as características peculiares das transgressões disciplinares e do seu sistema punitivo, foi dada atenção especial à matéria por parte das autoridades militares, para atender aos princípios que norteiam as garantias individuais, no que resultou a criação de normas infralegais que passaram a regular os procedimentos de apuração disciplinar.

Assim, no âmbito das Forças Armadas, a Portaria do Comandante do Exército nº 202, de 26 de abril de 2000 e o Decreto nº 4.346, de 26 de agosto de 2002, é que inauguraram os novos procedimentos disciplinares que passaram a ser utilizados pelo Exército Brasileiro, e, posteriormente, também pela Aeronáutica e pela Marinha.

O novo modelo de apuração, descrito e padronizado no RDE como FORMULÁRIO DE APURAÇAO DE TRANSGRESSAO DISCIPLINAR (FATD), é um procedimento sumário utilizado para registrar e apurar transgressões disciplinares de menor gravidade, obedecendo regras tipicamente processuais, onde são previstos os meios e as oportunidades de defesa para o acusado permitindo uma resolução célere das infrações. Nas Forças Armadas, o FATD substitui o Processo Administrativo Disciplinar (PAD), sendo o principal meio de apuração de transgressões.

Contudo, o mesmo Regulamento Disciplinar também dispõe que a autoridade militar poderá se valer de outro instrumento de apuração de irregularidades administrativas ou disciplinares, considerando-se o aumento da complexidade dos fatos apurados, in casu, a SINDICÂNCIA.

3.1. A Sindicância como Instrumento Investigativo e Acusatório

No Brasil, a sindicância e o processo administrativo são institutos que se formaram no direito administrativo público brasileiro e foram influenciados diretamente pelo sistema do contencioso administrativo francês, e, posteriormente, com o surgimento da República e a divisão dos poderes, ganharam contornos mais definidos tornando-se importantes ferramentas que passaram a ser utilizadas amplamente pelas autoridades públicas, como forma de garantir a certeza dos fatos a serem considerados no âmbito de suas competências e a segurança jurídica das decisões.

Ao longo do tempo, a sindicância foi recebendo definições mais claras e emprego mais amplo por meio de leis, decretos e portarias, passando a vincular-se principalmente às apurações das irregularidades de ordem disciplinar, antecedendo ou até substituindo os processos administrativos disciplinares. Adotamos o conceito de José Armando da Costa[1], em que “a palavra sindicância traduz o conjunto de atos ou diligências empreendidos no seio de uma repartição pública, objetivando apurar o cometimento de possíveis irregularidades por parte dos seus servidores”.

Assim, foi a Portaria do Comandante do Exército nº 202, de 26/04/2000, que inaugurou o primeiro procedimento uniforme, com a edição das ‘Instruções Gerais para a elaboração de sindicâncias no âmbito do Exército Brasileiro’, posteriormente aprimoradas pela Portaria nº 793, de 28/12/2011, e pela Portaria nº 107, de 13/02/2012, denominadas EB10-IG-09.001, sendo posteriormente adotado o novo sistema pela Aeronáutica e pela Marinha em normas semelhantes.

Uma das características mais notáveis do procedimento de sindicância militar, na forma como foi concebido, é que poderá ser convertido de simples investigação para contencioso administrativo, sem a necessidade de instauração de um novo procedimento, diferente da forma estabelecida pela Lei 8.112/90 para os servidores civis.

  1. Considerações Finais

A aplicação de sanções disciplinares pode ter consequências diretas na carreira do militar. Além das penalidades impostas, registros de punições podem impactar a progressão funcional, impedindo promoções e nomeações para cargos de comando. Para os militares em formação, transgressões graves podem resultar na exclusão dos quadros da instituição, inviabilizando a continuidade da carreira militar.

A apuração disciplinar no âmbito das Forças Armadas do Brasil desempenha um papel essencial na manutenção da hierarquia e disciplina, assegurando o bom funcionamento das instituições militares, mas deve conduzida de forma que fique evidenciado o respeito as garantias constitucionais dos militares e aos princípios administrativos públicos.

O aprimoramento constante dos processos de apuração disciplinar, aliado à observância das garantias fundamentais dos militares, contribui para a eficácia do sistema disciplinar, reforçando a credibilidade e a operacionalidade das Forças Armadas brasileiras. Além disso, a transparência e a equidade nos procedimentos disciplinares fortalecem a confiança da sociedade na integridade das instituições militares, garantindo que a disciplina seja mantida sem comprometer os direitos individuais dos militares.

[1] COSTA, J. A. Processo Administrativo Disciplinar, 6ª. ed.  Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 265.

Maurício Michaelsen

Associados do IARGS, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela UNISINOS; pós-graduado em Ciências Penais pela UFRGS; pós-graduado em Direito Militar pela Verbo Jurídico; e, pós-graduado em Direito dos Contratos e da Responsabilidade Civil pela UNISINOS

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