27/10/2025 07h05 - Atualizado 27/10/2025 07h05

A Reforma Tributária Incidente sobre o Consumo: Breves Considerações

Por Terezinha
para IARGS

Passados mais de 35 anos da promulgação da Constituição Cidadã[1], a República Federativa do Brasil, finalmente, vê atendido um dos seus maiores clamores na seara fiscal: a tão sonhada reforma da tributação sobre bens e serviços[2], inaugurada com a promulgação, em 20 de dezembro de 2023, da Emenda Constitucional nº 132 (EC 132/23).

A reforma é auspiciosa, eis que assentada, exatamente, na faceta tributária que apresenta as maiores deformações vis a vis aos mais modernos modelos tributários mundiais, em especial em relação aos impostos do tipo IVA (imposto sobre o valor adicionado)[3].

Com efeito, cumprida a longa fase de transição para a implementação integral das novas incidências tributárias consubstanciadas no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilha entre Estados e Municípios, e na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União federal – prevista, atualmente, até 31/12/32[4] –, ter-se-á:

  1. por um lado, extinto um sistema complexo, multifacetado e com inúmeros tributos de competência de distintas pessoas políticas; fundado, em boa parte, no princípio da origem; parcialmente cumulativo, com muitas alíquotas e com função extrafiscal exacerbada, ensejador de guerra fiscal; e, finalmente, repleto de obrigações acessórias e propício à litigiosidade que induz à judicialização[5]; e
  2. sob outro prisma, iniciado um novel sistema que culminará numa tributação de mais qualidade; mais neutra, de efeito mais progressivo, mais justa, mais simples e mais transparente; geradora de um melhor ambiente de negócios, com ampliação da taxa de investimento das empresas e redução dos custos de conformidade; e que facilitará a arrecadação e o combate à sonegação, diminuindo os litígios em matéria tributária e aumentando a segurança jurídica.

Mas, nem tudo são flores: dificuldades e problemas ocorreram e outros ainda advirão no decurso do tempo, seja em decorrência da rigidez constitucional pátria, da complexidade de qualquer tributação de consumo, da desigualdade social brasileira e da longa transição.

Nesse momento, já poder-se-ia citar algumas questões, no mínimo, polêmicas.

Ei-las, na sequência.

Primeiramente, a mitigação da Federação – cláusula constitucional pétrea insculpida no art. 60, § 4º, I, da CRFB/88 – e o decorrente federalismo fiscal brasileiro, fundado num modelo de discriminação de rendas dos Entes Políticos Subnacionais assente em receitas tributárias próprias e na participação em receitas de terceiros. Em que pese as receitas futuras do IBS continuarem a ser, fiscal e contabilmente, tratadas como receitas próprias, na verdade não mais o serão, eis que a competência impositiva (do IBS), prescrita como compartilhada, na realidade não o é[6]. E por diversos motivos, dos quais sobreleva-se o fato de que Estados e Municípios não têm iniciativa de lei complementar nacional, não instituindo, a rigor, o IBS[7].

Em segundo lugar, pela ofensa – prévia – a um dos pilares da proposta de reforma tributária, qual seja, o não aumento da carga tributária nacional incidente sobre o consumo de bens e serviços. Com efeito, antes mesmo do início da vigência de qualquer regra do novel sistema tributário, a maioria dos Estados já aumentou as alíquotas do ICMS aplicáveis às operações internas, com vistas ao aumento das respectivas participações no montante de IBS a ser distribuído no decurso do período entre 2029 e 2077.

Tal fato pode não só afetar o equilíbrio da distribuição dos recursos arrecadados pelo compartilhado IBS aos 27 Estados e Distrito Federal e aos mais de 5.500 municípios, como, também, impactar a definição das alíquotas de referência do IBS pelo Senado Federal.

A três, a própria manutenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o qual, além de incidente sobre produtos que tenham produção na Zona Franca de Manaus, foi mantido com alíquota zero para todos os demais produtos – quando deveria ter sido extinto.

A quatro, a relevante alteração dos preços relativos dos bens e serviços, especialmente desses últimos, em face das distintas majorações na carga tributária incidente em cada caso, que podem desorganizar o mercado nos primórdios do novo sistema, com algumas consequências indesejadas na organização de setores econômicos e, até mesmo, na sobrevivência de negócios.

Em quinto lugar, a desmesurada criação de regras desoneratórias, parciais ou integrais, do IBS e da CBS, previstas tanto na EC n° 132/23, como na LC nº 214/25, as quais não só implicam no necessário aumento das alíquotas de referência, como prejudicam a simplificação do novo sistema tributário de consumo.

A seis, em face da conformação constitucional de uma diretriz fundamental do IBS e da CBS: a não cumulatividade (arts. 146, § 3º, e 156-A, § 1º, VIII, e 7º, da CRFB/88)[8].

Em que pese os avanços na mitigação dos efeitos cumulativos no IBS e na CBS, comparativamente ao ICMS, é notório que ambos continuarão a carregar, ainda, uma carga de cumulatividade, eis que a própria Carta Magna está a restringir o direito de crédito nas operações envolvendo as empresas do Simples Nacional optantes pela apuração do IBS e da CBS pelo regime unificado, como impedindo a compensação dos tributos incidentes e pagos nas operações anteriores às isentas ou imunes.

Por derradeiro, é indubitável que o novo sistema tributário incidente sobre a tributação de consumo, não obstante as suas complexidades, dificuldades e a longa transição – inclusive com a coexistência dos sistemas atual e novo até o final de 2032 – inaugurará uma nova realidade quanto de sua integral implementação, em 1º de janeiro de 2033: mais neutralidade, justiça fiscal, transparência, simplicidade e segurança jurídica e melhoria da arrecadação e do ambiente de negócios.

Referências Bibliográficas[9]

 

[1] Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988 (CRFB/88).

[2] De acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional (2024, p. 7), a tributação de bens e serviços é responsável pela arrecadação de cerca de 43% das receitas tributárias pátrias.

[3] A rigor, o IBS e a CBS, da mesma forma que o ICMS e o vetusto ICM, não se qualificam como tributos sobre o valor adicionado, haja vista terem como base de cálculo, geralmente, o próprio valor da operação com bens e serviços. Podem, no máximo, ser tidos como tributos do tipo valor adicionado (ou tipo IVA), em face de seu resultado financeiro ser, no mais das vezes, equivalente ao montante calculado sobre o valor adicionado em cada etapa do processo de produção-consumo do bem ou serviço.

Nesse sentido, já se manifestaram, entre outros, BROCKSTEDT (1972, p. 245) e CARRAZA (1998, p. 179).

[4] Já o regime transitório de partilha da receita do IBS entre Estados e Municípios encerrar-se-á apenas em 2097.

[5] BINS (2025, p. 606).

[6] Afora a competência para determinação da alíquota do IBS diversa daquelas de referência definidas pelo Senado Federal – que é prescindível – o compartilhamento entre Estados e Municípios se restringe às competências administrativas, as quais, ainda assim, são, em sua grande maioria, coordenadas pelo Comitê Gestor do IBS.

[7] A própria LC 214/25, em seu artigo inaugural, expressamente dispõe:

Art. 1º Ficam instituídos:

I – o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre Estados, Municípios e Distrito Federal, de que trata o art. 156-A da Constituição Federal; e

II – a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União, de que trata o inciso V do caput do art. 195 da Constituição Federal.

[8] A não cumulatividade qualifica-se como norma cogente – e de estatura constitucional –, não cabendo nem ao contribuinte de direito, nem à administração tributária, refutá-la. É um tanto de direito-dever de ambas as partes da relação jurídico-tributária: para o sujeito passivo, o direito de compensar o tributo cobrado em todas as operações anteriores e o dever de pagar o valor devido, apurado, também, em face das deduções correspondentes; para o sujeito ativo, o dever de reconhecer e aceitar a referida compensação e o poder-direito de cobrar o correspondente valor devido pelo contribuinte, já abatido o valor compensado relativo às aquisições anteriores.

[9] BINS, Luiz Antônio. Da Repartição das Receitas Estaduais do IBS aos Municípios. In CALIENDO, Paulo; CASTELLO, Melissa Guimarães; KOCH, Mariana Porto (Coordenadores.) O IBS e a CBS na Constituição.  2. ed.  Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2025, p. 605-623.

BROCKSTEDT, Fernando A. O ICM. Porto Alegre: Rotermund, 1972.

CARRAZA, Roque Antônio. ICMS. 4 ed. rev. e ampl. de acordo com a Lei Complementar 87/96. São Paulo: Malheiros, 1998.

SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Estimativa da Carga Tributária Bruta do Governo Geral 2024. Brasília: Ministério da Fazenda, 2025, p. 8. Disponível em https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO:51673. Acesso em 14 ago 2025.

XAVIER DE BASTOS, José Guilherme. A tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional. Lisboa: Centro de Estudos Fiscais, Ministério da Fazenda, 1991.

Luiz Antônio Bins

Associado do IARGS. Advogado. Auditor Fiscal da Receita Estadual aposentado. Foi Diretor da Receita Estadual/RS, Juiz do TARF/RS, Secretário de Estado da Fazenda/RS, Presidente da FESDT, do SINDIFISCO/RS e dos Conselhos de Administração do BANRISUL e da PROCERGS.

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