22/04/2025 07h00 - Atualizado 22/04/2025 09h32

O Leopardo, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, e o direito: mudar para continuar?

Por Terezinha
para IARGS

O Leopardo, em italiano Il Gattopardo, é um romance histórico de autoria de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, que foi publicado em 1958, após o falecimento do autor. Recentemente, a obra foi adaptada para a plataforma de streaming Netflix, tendo como tema principal a aristocracia siciliana e o seu declínio a partir de 1860.
No decorrer da trama, há um diálogo entre os dois principais personagens, em que o aristocrata Trancredi de Falconeri diz ao Príncipe de Salina, Dom Fabrizio, a célebre frase: “se quisermos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”. Tancredi percebeu que, para que a elite da época mantivesse sua influência, precisaria se adaptar às mudanças inevitáveis.
Com base nessa reflexão, pode-se questionar: a maneira como a inteligência artificial está remodelando a prática do direito apresenta a necessidade de adaptação e modernização inevitável?
Assim como a aristocracia retratada no romance precisou aceitar as transformações políticas e sociais para garantir sua continuidade, o direito também enfrenta um período de transição devido à ascensão da inteligência artificial. No livro, o modelo aristocrático de poder estava em perigo. No direito, o modelo tradicional de prática jurídica, baseado exclusivamente no trabalho manual e analógico, parecer também estar em declínio diante da crescente digitalização e automação dos processos.
É inegável que inteligência artificial trouxe algo de novo ao front jurídico, com plena aplicação nas presentes relações no judiciário mundial. Longe de representar uma simples modernização superficial, as inovações tecnológicas vêm transformando profundamente a prática jurídica. Um exemplo disso é o uso de sistemas de análise preditiva, que analisam grandes volumes de dados para identificar padrões e antecipar decisões judiciais, permitindo uma melhor estratégia processual.
Além disso, a automação documental tem alterado a rotina dos escritórios de advocacia e tribunais, otimizando a elaboração de peças processuais. Softwares baseados em inteligência artificial conseguem identificar
jurisprudências relevantes, sugerir argumentos e detectar inconsistências em documentos, garantindo maior eficiência e precisão no trabalho dos juristas.
Alguns tribunais já utilizam sistemas de inteligência artificial para analisar jurisprudência e sugerir decisões para os magistrados, auxiliando na identificação de precedentes e na predição de comportamento do tribunal com base em decisões anteriores. Há também a utilização pelas cortes de chatbots para atender advogados e cidadãos, respondendo perguntas frequentes sobre o andamento de processos e outros serviços judiciais.
A famosa frase “se quisermos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude” pode ser aplicada a este contexto, onde muitas mudanças tecnológicas são implementadas com a promessa de aumentar a eficiência, mas, na prática, têm o potencial para fazer muito mais do que isto, verdadeiramente reformulando a maneira como a justiça é praticada.
Assim como Dom Fabrizio temia que a aristocracia perdesse a sua identidade diante das mudanças, surge a preocupação de que a automação excessiva e a delegação de tarefas à tecnologia possam comprometer a essência do direito, que é alicerçada na interpretação humana e na reflexão crítica. Alguns juristas demonstram receio em relação à adoção da inteligência artificial, temendo que a tecnologia possa comprometer valores jurídico tradicionais.
A mudança não ocorre sem desafios: transparência dos algoritmos, segurança dos dados e risco de vieses são apenas algumas das questões que exigem atenção. A despeito dessas preocupações, que merecem um olhar cuidadoso, a inteligência artificial pode ser vista como um instrumento de evolução que, se bem utilizado, tem o potencial de melhorar a prestação jurisdicional.
Da mesma forma que o personagem Tancredi compreendeu a necessidade de adaptação para preservar a influência da aristocracia, os profissionais do direito devem reconhecer a inteligência artificial não como um elemento disruptivo destrutivo, mas como uma oportunidade de evoluir e tornar o trabalho mais eficiente. A chave, como no romance, está em entender que a mudança é inevitável e saber como incorporá-la sem perder de vista os princípios fundamentais do direito. Assim como Tancredi percebeu a necessidade de adaptação para a sobrevivência da aristocracia, os operadores do direito
precisam entender e integrar a inteligência artificial para permanecerem relevantes em um cenário jurídico em constante evolução.

Drª Vanessa Bortolini

Associada do IARGS, Doutoranda em Direito e Procuradora do CREMERS

 

Dr. Lucas Lazzaretti

Associado do IARGS, Advogado e Vice-presidente da Comissão Especial do Direito à Saúde da OAB/RS

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