Advogado e mediador: como atuar juntos pelo resultado
para IARGS
O presente ensaio abordará questões trazidas pelo Prof. Christopher W. Moore[1] para melhor entender, direcionar e resolver conflitos. Seus ensinamentos facilitam a compreensão da dinâmica do conflito e a forma de lidar com o mesmo em busca de soluções.
Essa abordagem não busca ser uma solução prioritária ou autoritativa, fechada às outras alternativas ou formatos. O que se investiga são as opções de mercado que se abrem para os novos profissionais da carreira jurídica, bem como para aqueles que buscam modelos expansivos que eliminem discórdia e almejem a solução de forma (mais) harmônica (possível).
O universo do conflito interpessoal detém inúmeras possibilidades de solução. Dentre esses, os “remédios jurídicos” são estruturados por diplomas legais que, quando as partes entram em disputas, serão os alicerces balizadores da resolução, a qual chegará por meio da adjudicação da decisão pelo Poder Judiciário. Todavia, via de regra, esse processo não satisfaz as partes envolvidas. A amostra disto é que recursos processuais continuam constantemente sendo apresentados por uma, ambas ou mais partes envolvidas – sempre que uma decisão é proferida.
Os cientistas que estudam a resolução de conflitos, em toda sua extensão multidisciplinar, entendem que o Poder Judiciário é necessário; contudo, não é a solução para todas as disputas, posto que não solucionam, e sim aplicam regras – as quais não serenarão ânimos e nem apaziguarão a discórdia.
Nessa esteira, muitos profissionais da advocacia compreendem que podem oferecer resultados de modo diversificado. E, algumas vezes, contribuir para uma construção entre os antagônicos. Os profissionais buscam alternativas consideradas mais adequadas e, por que não dizer, mais sofisticadas – uma vez que “desenhadas” às necessidades do caso.
Muito se fala em advogar na mediação. Contudo, pouco se fala sobre as benéficas influências que “o mediador apropriado à causa” poderá trazer para a advocacia. Se entende por apropriado aquele que (i) distingue as causas do conflito, (ii) reconhece os objetivos da intervenção da mediação, (iii) entende os tipos de assistência que devem ser fornecidas e, por sua vez, (iv) as abordagens adequadas a cada processo resolutivo. E aqui a pergunta a responder: nós, advogados, reconhecemos a existência desses quatro pontos cardeais da resolução de disputas na mediação?
- As Causas do Conflito –
O primeiro passo de todo profissional é a identificação da causa do conflito, o primeiro gatilho da disputa e os fatores que envolveram seu desenvolvimento. Isso não é atributo do advogado tão somente, cabendo ao mediador, também. O conteúdo da celeuma é uma das causas que reside abaixo da superfície de outras. A identificação deste ponto é essencial para criar oportunidades de colaboração e, consequentemente, encontrar a solução – a qual não reside na letra da lei, e sim nas necessidades dos envolvidos.
Quanto às necessidades e interesses dos envolvidos, pode-se falar de problemas de relacionamento, crenças, valores e credos; também da falta da comunicação adequada e suas consequências nas oscilações das emoções e, ainda, situações econômico-financeiras.
Já quando se fala em opções e resultados em processos de equipes, logramos encontrar fatores estruturais que atingem procedimentos já sedimentados na humanidade, atávicos, ancestrais, que não se constroem com o poder e sim com a influência da reputação e autoridade por meio das informações repassadas entre as partes. Explicarei.
Advogados e mediadores, colaborativamente, precisam identificar os pontos acima indicados para poder endereçar a melhor solução. No passo que tais alvos são analisados e reconhecidos pelos envolvidos, cria-se opções integrativas que satisfazem tanto as necessidades, quanto os interesses. E qual a importância desse “raio-x” do conflito? Os envolvidos não conseguem identificar esses pontos por si. Necessitam de apoio, de condução, de construção de diálogo para analisar, identificar e estruturar esses pontos. Pode parecer pouco, mas não é. Deve-se entender a dificuldade que cada ser tem em visualizar perspectivas diferentes.
Para que o assistente, seja o advogado ou o mediador, possa entregar o melhor resultado, cabe a ele preparar suas habilidades – as quais não são ensinadas nas academias de direito, em sua profundidade. Profissionais mais habilidosos podem apresentar resultados mais sofisticados e diferenciados. Não que todo problema possa parecer uma “pedra no sapato” do cliente. Ocorre que nem toda pedra significa a necessidade de extirpar uma vesícula ou um rim – transformando o cliente em paciente. Existem procedimentos menos invasivos e com resultados mais construtivos, vantajosos e saudáveis. São opções que integram o cardápio do profissional.
- Alvos da Mediação –
Muitas vezes, os envolvidos no conflito não estão presentes na sala de mediação nem envolvidos na negociação. Porém, são os maiores interessados. Exemplo é(são) o(s) filho(s) de um casal em processo de divórcio. Os acionistas de uma sociedade anônima em um embate no Conselho. E os lindeiros em uma área de preservação ambiental cujo projeto de lei visa modificar fronteiras.
É essencial que advogados e mediadores tragam vozes à sala, quando há interesse de transigir para resolver a disputa. E, para isso, é apropriado realizar um exercício para identificar aqueles que sofrerão eventuais reflexos de um consenso. Caso contrário, não haverá como trazer uma pacificação ao vértice da contenda. Por outro lado, cria-se outra.
Seja por decisão judicial, seja, por um ajuste das partes, quando todos interesses envolvidos não são enlaçados no ajuste, seja uma sentença ou um acordo, o impasse persistirá e novas contendas surgirão daquela mal resolvida. Portanto, o primeiro alvo é certificar que todos estão efetivamente envolvidos no processo de decisão que pavimentará o futuro do ajuste.
- Tipo de Assistência ao Conflito –
Via de regra, o foco do mediador está determinado pelo tipo de assistência que as partes precisam. E, também, todo conflito tem uma peculiaridade que não se repete: os indivíduos nele inseridos – bem como seus procuradores. E esses exigirão ou necessitarão de um tipo de assistência diferente da outra. Embora toda mediação se baseia na melhora da comunicação entre as partes, em certos momentos existe a necessidade de assistir nas técnicas de negociação (procedimento), noutras há de se prover apoio psicológico ou pessoal (relacionamento), e ainda, há momentos de auxilio na identificação de informação substancial para a tomada de decisão (elemento).
Portanto, será dado ênfase naquele ponto que os participantes envolvidos prescindem de apoio, e tudo depende das questões colocadas na mesa e da natureza e da dinâmica que o conflito desenvolveu até então. As intervenções, consequentemente, terão ênfase nas necessidades que envolvem cada caso.
No entanto, independentemente da necessidade, cabe ao advogado, com o apoio do mediador, buscar o melhor perfil de assistência para o fim de chegar ao consenso buscado para a solução do “impasse”. Portanto, no aspecto subjetivo, é prioritário que o representante legal da parte identifique a necessidade e encontre o mediador mais apto, ou adequado, a suprir a carência do cliente.
Em alguns casos, sem detrimento, existe uma carência de perfil do próprio causídico. É compreensível uma dificuldade de dar estímulo à composição de um acordo, incentivo à colaboração ou alteração de vocabulários, mentalidade e perspectiva – via de regra aquelas “atitudes” que poderiam comprometer o advogado na percepção do cliente constituinte para a representação dos seus interesses. Aqui adentra o papel do mediador.
Essas assistências poderão ser utilizadas de forma autônoma ou integrada. A melhora na comunicação não exclui a assistência na negociação, nem ambas limitam o fornecimento de informações que podem melhor assistir às partes na tomada de decisão. E a tomada de decisão não significa o ajuste final. Significa a opção por um caminho ou outro que levará a um consenso no procedimento – a aceitação por um outro método, que por conseguinte poderá levar à harmonia de pensamentos e sentimentos que trarão uma solução almejada por todos.
- Formas de abordagem do mediador –
A camada final da atuação sofisticada do binômio advogado-mediador é verificar a melhor forma de abordar (ou acompanhar) as partes envolvidas. Quando se diz que as partes devem se compreender, entender, “ver e sentir como o outro”, não está se impondo que as partes devam abrir mão dos seus valores, e sim entender os valores dos demais para, dessa forma, poder trabalhar com esses parâmetros subjetivos.
Ao dar assistência às partes nesse processo de compreensão, o mediador utiliza mecanismos de interpretação – via de regra parafraseando o que foi dito. A forma que esses mecanismos serão apresentados será mais “ativa” ou mais “passiva”, dependendo das partes. A moderação entre um e outro construirá o estilo do mediador e do processo de mediação. Diremos que o mediador é mais facilitador ou mais avaliador em relação ao objeto da disputa.
Caberá aos representantes legais, já de antemão, informar e requerer uma abordagem com mais ênfase num estilo do que noutro. Via de regra, o mediador moderado iniciará no estilo facilitador, “orquestrando” o diálogo. Ao atingir o sucesso, passará a assistir à negociação como um expectador – caso as partes e seus representantes dominam a ciência da negociação.
Se alguém falhar nesse conhecimento ou sofrer alguma dificuldade para dar andamento nesse processo, não se aflijam, o mediador passará a adotar um estilo mais “negociador”[2], sendo mais avaliador. Nessa dinâmica, as partes terão um aliado na construção do negócio em si. Ninguém perde. O conhecido ganha-ganha. Lembre-se dos ajustes modulares da mediação. Importante traçar um caminho e estar preparado.
Quando todos entendem seu papel e seu espaço na mediação, fica claro que se trata de uma engrenagem que levará todos a qualquer lugar. O limite são as restrições de todos envolvidos. Todavia, com a mente aberta, com uma escuta disciplinada[3] e disposição para negociar, o ajuste é um jogo que pertence aos envolvidos: encontrar a fórmula de que todos mirem um resultado em que todos acabem ganhando.
As orientações para a abordagem do mediador são baseadas nas compreensões da concepção do conflito ou da disputa[4], das partes envolvidas, do processo de negociação, da busca pelo mediador apropriado, bem como do desejo e expectativa pelos resultados favoráveis. Veja que todos itens listados não dependem do representante legal, se não a escolha pelo mediador adequado à causa.
Um “maestro” para dirigir uma sinfonia, ou um “negociador” para dirigir um fechamento de negócio entre as partes, um ou outro perfil (ou a combinação de ambos de forma moderada), deverá ser o passo mais importante do advogado que busca a utilização de uma ferramenta que poderá economizar seu tempo e render frutos para todos. Veja que a verba honorária não deve estar conectada ao tempo dedicado à causa, e sim ligada ao resultado e a rapidez na solução do impasse.
- Na direção de uma visão mais integrativa da mediação –
Nesse ficou traçado um esboço do como a mediação pode ser integrativa para todos os seus participantes. Suas variações são a essencialidade do processo informal e consensual. Cabe àqueles que atuam nesse procedimento entender seus papéis e desenvolver aptidões para obterem resultado satisfatório a todos. Nem que seja parcial – sim, pode haver entendimento com ajuste sob parte do conflito, deixando o remanescente para outro momento e outra arena. Importante é deixar a porta entreaberta para um possível retorno às negociações.
Também é importante que a advocacia tenha conhecimento das diferenças e das possibilidades ilimitadas que a mediação traz ao conflito ou disputa. E a perícia de utilizar de forma hábil e benéfica para os constituintes envolvidos.
Necessário alinhar linguagem e conhecimento em negociação. E conhecimento como ciência e não como uma barganha. Importante entender que a lei não significa um paradigma para resultado satisfatório, e sim os interesses das partes, que são os clientes dos advogados. E aos causídicos, uma fórmula de advocacia “acelerada”, uma estrada em linha direta com a solução.
E lembre-se: remuneração pelo resultado não significa décadas debruçado em documentos, tomadas de depoimentos, recursos infindáveis (e infundados), e uma vida conectado a um problema sem solução. Claro que essa fórmula não é para todos (até porque não é uma fórmula), mas pode ser adequada ao caso do seu cliente. E, nesse caso, contrate e ajuste a fórmula que funciona para a sua advocacia adequada ao seu cliente. E que seja sofisticada.
Respondendo à pergunta inicial: nem sempre percebemos onde estamos. A resolução de conflitos existe como ciência muito antes das leis – quando eram costumes que balizavam as resoluções. O método que aqui abordamos é ancestral e está reivindicando o espaço que antes ocupava. Jovens acadêmicos simpatizam com a ideia, pois enxergam um futuro diferente na área da resolução de conflitos e disputas. Advogados, mais experientes, já percebem uma necessidade de mudança e refino na advocacia.
Ainda estamos navegando em mares que os nossos antepassados nadavam com a autonomia e liberdade que nunca dimensionamos. De fato, nos foi tomada com a constituição de leis processuais. Redescobrimos “novos” elementos para que possamos obter melhores resultados em menor espaço de tempo. Eis um esboço de uma rota de volta para o passado com olhos no futuro.
Eduardo Fontoura
Diretor-Adjunto do Departamento Métodos Autocompositivos de Resolução de Conflitos do IARGS
[1] Moore, Christopher W.; The Mediation Process – Fourth Edition;
[2] Kolb, D. – The Mediators – Cambridge, MA; MIT Press (1983);
[3] Reddington, Michael – The Disciplined Listening Method, Per Capita (2002);
[4] Entende-se por “conflito” o litígio não judicializado, enquanto “disputa” é aquele conflito já judicializado;