Os Poderes da República me representam? E deveriam?
para IARGS
O sentimento de descontentamento experimentado por grande parte dos brasileiros, independente de posicionamento político, parece ser a regra.
Indiscutível a célebre redação prevista no parágrafo do artigo 1º da Constituição Federal: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. A atuação de Poderes Legislativo e Executivo, enquanto resultados do poder confiado pelo cidadão através do voto, sem sombra de dúvida, teria a obrigação de coerência mínima com a expectativa dos eleitores. Legisladores e governantes teriam o dever de ao menos tentar governar e legislar sob a égide da vontade da maioria.
Por vezes paira a dúvida se a impressão de eterna insatisfação por parte do povo – real detentor do poder – não é resultado da impossibilidade de agradar a todos ou da própria dificuldade inerente a árdua tarefa de legislar e governar.
Trazendo para o senso comum, o questionamento seria se o sentimento de desconexão entre o entregue pelo Poder Legislativo e Poder executivo é como a realidade de um pai zeloso e ético, mas ciente da sua atribuição de tomar decisões difíceis e desagradar para um bem maior.
Nesse cenário, o Poder Judiciário ocupou por um longo tempo, a tábua de segurança de grande parte da população, cujo objetivo, pelo menos em tese, não é agradar a torcida, mas sim fazer cumprir a Constituição e a lei. O problema é que, nos dias atuais, a credibilidade do Poder Judiciário também se encontra em cheque.
A situação vivenciada pelo Rio Grande do Sul expõe um problema antigo: a atuação desordenada dos poderes da federação. Não se trata de criticar este ou aquele órgão ou setor, mas sim de todo um sistema fadado ao fracasso. A realidade vivenciada pelos Brasileiros é sempre reativa, enquanto deveria ser preventiva. Trata-se de prevenção mais abrangente do que o simples cuidado com tragédias ambientais. O COVID deveria ter ensinado que vivenciamos uma dinamicidade muito maior que outrora. É preciso agir e não apenas reagir. Não existe o culpado, mas sim os culpados: todos nós em menor ou maior grau, mesmo que pelo simples descaso com o tema ou omissão.
A atuação desordenada dos diversos níveis da federação envolvidos aliado ao simbolismo representado pelo alagamento das instituições públicas e dos servidores do Poder Judiciário levam a um sentimento geral de desemparo.
Julgar a atuação dos membros do Poder Público que arregaçaram as mangas e foram fazer o seu melhor além de injusto e desumano. A questão não é analisar as posturas individuais, mas sim a falta de uma ação realmente coordenada do Estado que trouxesse aos cidadãos sentimento de confiança.
Talvez essa seja a palavra do momento. O descrédito nos poderes, a insegurança jurídica e a falta de uma linearidade nas políticas do Estado trazem o sentimento – justificado ou não – que foi estampado nas diversas manchetes espalhadas pelo Brasil: cabe aos próprios civis salvarem-se.
Texto como este levaria os americanos a perguntarem: “e o que você vai fazer para mudar isso?”. Apenas reclamar e criticar não constrói um Estado melhor. É preciso lembrar que somos parte do Brasil e temos responsabilidades com o Estado. Talvez o começo, especialmente para os profissionais da área do direito seja cobrar coerência e atuação legítima dos poderes. Justificativa para as distorções existem e são muitas. O problema é que a exceção virou regra. Vive-se uma luta entre os poderes: legisla-se por Medida Provisória, decisões judiciais corrigem leis e o cidadão não confia no Estado.
Nesse cenário, defender um dever de pagar tributos como forma de sustentação do Estado é impossível. O Estado precisa recuperar o crédito e isso só será possível quando os envolvidos entenderem o que escrevi em outra oportunidade: os Poderes participam de uma mesma orquestra e precisam atuar de forma conjunta, coesa e leal para agradar ao seu público e verdadeiro detentor do poder que é o povo.
O que devem fazer? Pode-se começar com a estabilidade da legislação, respeito à coisa julgada e continuidade mínima dos programas de governo.
Ana Helena Karnas Hoefel Pamplona
Associada do IARGS, Doutora e Mestre em Direito, sócia do escritório Beck Advogados Associados e professora universitária