A Dignidade da Pessoa Humana em situações de calamidade pública
para IARGS
O documento de identidade de uma pessoa e o princípio fundamental da Dignidade da Pessoa Humana encontram-se intimamente relacionados atuando positivamente na proteção contra os impactos sofridos pela sociedade gaúcha por consequência das enchentes.
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 1º, inciso III, estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos princípios fundamentais da República, ou seja, um postulado central do ordenamento pátrio, um fundamento axiológico sobre o qual está construído o Estado Democrático de Direito:
Artigo 1º -A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana.
Não só a Carta Magna, mas igualmente a doutrina confere o merecido destaque para a dignidade humana, no sentido de que ela deve ser vislumbrada como um valor tipicamente jurídico, revestido de normatividade, pois, além de ser um valor moral, pelo dever do poder público respeitá-la, trata-se de um valor moral inerente à pessoa.
Por outro lado, pelo fato de a dignidade da pessoa encontra-se ligada à condição humana de cada indivíduo, não há como descartar uma necessária dimensão comunitária(social) desta mesma dignidade de cada pessoa e de todas as pessoas, justamente por serem todos iguais em dignidade e direitos (na iluminada fórmula da Declaração Universal de 1948) e pela circunstância de nesta condição conviverem em determinada comunidade ou grupo. O próprio Kant – ao menos assim nos parece – sempre afirmou (ou, pelo menos sugeriu) o caráter intersubjetivo e relacional da dignidade da pessoa humana, sublinhando inclusive a existência de um dever de respeito no âmbito da comunidade dos seres humanos.[1]
O direito à identidade está previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Neste sentido, o registro civil e o documento de identidade são direitos de cada indivíduo em ter seu nome reconhecido, sua naturalidade, data de nascimento, sua genealogia, ou seja, seu pertencimento enquanto individuo em uma sociedade.
Até mesmo a realização das atividades econômicas e financeiras, públicas e privadas, devem observar o princípio da dignidade, corroborando o fundamento fixado no art. 1º, inciso III. O artigo 170 da Constituição Federal, inserido no Título que trata sobre a Ordem Econômica e Financeira, dispõe dentre os princípios gerais da atividade econômica que cabe à República Federativa do Brasil “assegurar a todos uma existência digna”.
Por outro lado, a identidade de uma pessoa é o reconhecimento de que ela é a próprio indivíduo, ou seja, a distinção de um indivíduo do outro. Isto por si só já traduz a importância dos documentos de identidade que servem para identificar as pessoas em uma sociedade.
Aflorar este princípio e direito é imperativo quando nos deparamos com a situação de milhares de pessoas que perderam seus registros e documentos de identidade durante as enchentes ocorridas no Estado do Rio Grande do Sul.
Diante do triste cenário de calamidade, enfrentado pela população gaúcha, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, juntamente com o Tribunal de Justiça, a Ouvidoria do Tribunal Regional Eleitoral, a Defensoria Geral da União, o Ministério Público do Estado RS, a Procuradoria do Estado do RS, dentre outras instituições, uniram-se e assinaram o Termo de Cooperação pela plena garantia do direito à documentação básica.
A solenidade de assinatura do Termo de Cooperação ocorreu no Centro Administrativo de Contingência na cidade de Porto Alegre, no dia 10 de junho de 2024, cujo elemento central é facilitar ao cidadão a disponibilização dos documentos de Registro Civil de Nascimento, Carteira de Identidade, CPF, Título de Eleitor, Certificado de Reservista, Carteira de Trabalho e Previdência Social e Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Em ato contínuo, no período do dia 17 a 23 de junho, será realizado um mutirão no Shopping Total e todas as entidades estarão presentes, no qual os documentos, acima mencionados, poderão ser solicitados pela população. Na mesma oportunidade a Ordem dos Advogados do Brasil também se fará presente oferecendo assessoria jurídica aos cidadãos.
Trata-se do ato de inclusão no qual o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Direito à identidade são alicerces para o exercício do Estado Democrático de Direito garantidores ao atendimento dos elementos que visam a proporcionar uma vida digna à população gaúcha e brasileira.
[1] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
Patrícia Oliveira
Desembargadora do Tribunal Regional Eleitoral-RS, Doutoranda em Direito UNISINOS, Conselheira Seccional da OAB/RS, Membro do IARGS