10/06/2024 07h00 - Atualizado 10/06/2024 07h23

Responsabilidade contratual em tempos de crise

Por Terezinha
para IARGS

As inundações de 2024 no Rio Grande do Sul impactaram diversos contratos em diferentes perspectivas do direito privado. No âmbito dos contratos comerciais, inúmeras relações foram afetadas, como franquias, financiamentos bancários, locações e seguros. No âmbito dos contratos civis, locações residenciais e seguros residenciais foram as relações mais afetadas. No âmbito do agronegócio, arrendamentos e parcerias agrícolas, integração vertical, financiamento bancário e fornecimento restaram impactados. Sob todos esses vieses, o caso fortuito/força maior, excludente geral de responsabilidade contratual, tem aplicação de diferentes formas.

Segundo o art. 393 do Código Civil, “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis evitar ou impedir”. A literatura desenvolve o tema do caso fortuito/força maior pela lente de duas teorias principais: objetiva e subjetiva. Os requisitos para a sua configuração podem variar conforme a teoria escolhida, pois a noção subjetiva adiciona a conduta não culposa, enquanto a noção objetiva afasta-se da análise das condições pessoais do eventual responsável e da eventual diligência que poderia ter realizado. A noção objetiva é, corretamente, a mais adotada na literatura e na jurisprudência, pois “culpa” e “causalidade” não se confundem. Inclusive, a corrente objetiva, albergando a ideia de exterioridade como elemento caracterizador do caso fortuito ou de força maior, foi prestigiada no enunciado n. 443 da V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, como se infere: “O caso fortuito e a força maior somente serão considerados como excludentes da responsabilidade civil quando o fato gerador do dano não for conexo à atividade desenvolvida”. Frise-se que o suporte fático do caso fortuito/força maior envolve dois elementos que devem se apresentar conjuntamente: o fato necessário (a causa) e os efeitos impossíveis de se evitar e de se impedir.

Não é sempre que os caso fortuito/força maior acarretam resolução contratual de forma direta, diversamente dos casos de resolução contratual por onerosidade excessiva, e que também pode ser ocasionada por um evento de caso fortuito/força maior. As consequências do art. 393 do CC atingem as perdas e danos decorrentes do não cumprimento obrigacional, ou ainda afastam a mora se interpretadas sistematicamente com o art. 396 do CC. As obrigações atingidas pelos caso fortuito/força maior podem ser as principais, as acessórias das principais, as anexas ou ainda as laterais.

O caso fortuito/força maior se refere a um fato fundamental, não determinado por nenhuma das partes, superveniente e inevitável para a pessoa, elementos presentes nas inundações do Rio Grande do Sul de 2024. Ressalta-se que o ponto relevante não é a impossibilidade de impedir o fato, mas sim a possibilidade de se evitar ao máximo os efeitos decorrentes do fato. Assim, o elemento fundamental do caso fortuito/força maior, é a inevitabilidade, e não a imprevisibilidade do fato. Também é relevante constatar que a obrigação não pode estar em mora, e se o impedimento para se cumprir a obrigação contratual é temporário ou definitivo, pois os direitos dos credores sempre devem sem ao máximo tutelados pelo Direito. Com esses parâmetros, é possível analisar quais direitos os afetados pelas inundações possuem em relação às suas relações contratuais.

Arnaldo Rizzardo Filho

Advogado, Mestre, Doutorando, professor, autor e Diretor do Departamento de Direito Civil do IARGS

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