15/05/2024 20h55 - Atualizado 15/05/2024 20h55

Águas sem fim

Por Terezinha
para IARGS

Na época da pandemia da Covid-19, em 2019, a regra de ouro era “fique em casa” e nós, gaúchos, seguimos à risca a determinação. O comando de hoje, frente à calamidade pública das enchentes, que assola o Rio Grande do Sul, é saia de sua moradia. Eis aí o paradoxo: muita chuva lá fora e faltando água nas casas. Por sinal, esta palavra ganhou uma nova dimensão e passou a ser sinônimo de abrigo, local onde nos sentimos seguros.
A enchente fez com que refletíssemos sobre o valor da solidariedade, pois os olhos do mundo se voltaram para o Rio Grande do Sul. Difícil ficar sem a água para tomar o chimarrão, complicado seguir o método francês de muito perfume e falta de banho e muitos, também, estão sem energia elétrica e reféns do uso das velas, porém sem o glamour característico dos séculos passados.
A dor maior foi a de ver casas arrastadas pelas águas, pessoas desaparecidas e desabrigadas – sem luz e sem teto – tais como mendigos emocionais, na busca de um refúgio, a exemplo do pássaro de asa molhada (ou quebrada) que procura pelo seu ninho.
As enchentes quebraram a espinha dorsal do orgulho, o essencial passou a ser visto como o primordial a ser buscado, e vivenciamos a importância da fraternidade e de convivermos mais e harmonicamente uns com os outros.
Fomos todos, de certa forma, resgatados de nós mesmos.
A família novamente se aproximou. A amizade foi testada. As leituras ganharam peso e o banho passou a ser reverenciado como um artigo de luxo.
Os meus pais foram resgatados em um bote, a casa deles ficou ilhada e graças a Deus estamos todos em segurança. O humano voluntário das enchentes expressando sensibilidade e bom humor lhes perguntou: vamos passear em Veneza? A resposta foi assertiva. Entretanto, a famosa Praça São Marcos não surgiu no caminho e nem as pombas, mas os gatos de estimação estavam juntos com eles. A mãe e o pai, certamente, se sentiram turistas na sua própria cidade, navegando nas águas turvas do Porto, que de Alegre restavam apenas lembranças.
Trabalho remoto – queda da Internet – e problemas tecnológicos. A fúria da natureza e a incerta data do retorno ao local da labuta. Aulas suspensas. Crianças entediadas. Por onde andará o sol? Esperamos o astro rei com o mate nas mãos.
Cartão de crédito, débito e dinheiro que não compram os alimentos faltantes nas prateleiras do supermercado e nem a gasolina escassa nos postos. A palavra é paciência… E como é difícil exercitá-la.
Estradas bloqueadas, o litoral se tornou uma opção de refúgio, e eu, pela primeira vez, vi o mar no mês de maio: um insólito encontro – e entre nós: o vento.
Salvem os caminhoneiros e as suas músicas sertanejas que animam e riscam as estradas trazendo mantimentos para o nosso Estado: geograficamente situado aos pés de um Brasil descalço.
As mães, no seu dia, foram enaltecidas e o outono foi visto sob nova perspectiva. O luto é plural, a dor coletiva e os caminhos são incertos. A história talvez aponte os culpados, por ora, somos vítimas desta tragédia. Obrigado, Brasil.
As perdas são incalculáveis, o pujante Estado do Sul está desolado e a Capital entristecida: chuvas e lágrimas. Resgate aéreo. Helicópteros sobrevoando o Estado com as suas hélices nervosas: pessoas no telhado sendo salvas. SOS: Rio Grande do Sul!!!
O gaúcho chora, mas logo se reerguerá. Estamos todos unidos e parafraseando o hino rio-grandense: “sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra…”

Cassiano Santos Cabral

Advogado, servidor público estadual do Ministério Público do RS, sócio do IARGS. Escritor premiado no Brasil e exterior com cinco obras publicadas.

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  3 Comentários   Comentar

  • Solange Maria Gaspar de Oliveira 4 meses     Responder

    Parabéns pelo artigo que expressou com nitidez nossas emoções e sentimentos num momento de tantas tristezas!

    • Cassiano Gilberto Santos Cabral 4 meses     Responder

      Muito obrigado.

    • Cassiano Gilberto Santos Cabral 4 meses     Responder

      Muito obrigado pela interação, fico feliz que tenha apreciado.

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