Como fica a pensão alimentícia na pandemia do Coronavírus?
para IARGS
Artigo do advogado Diego Silveira, associado do IARGS
Tema: Como fica a pensão alimentícia na pandemia do Coronavírus?
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Art. 139 do CPC – O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
… omissis…
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.
O dispositivo previsto no capítulo dos poderes e responsabilidades do juiz estabelece que a direção do processo pelo magistrado deve ocorrer com um olhar do juiz a determinar as medidas coercitivas necessárias a assegurar o cumprimento da ordem judicial, inclusive, que tenham por objeto a prestação pecuniária. Assim, além dos procedimentos dos cumprimentos de sentença sob pena de prisão (art. 528) e sob pena de penhora (art. 523), o magistrado pode (ou deve?) determinar outras medidas coercitivas com a finalidade de forçar o devedor a cumprir uma ordem judicial.
Logo, as medidas coercitivas do art. 139, IV do CPC devem ser associadas às restrições “típicas” já existentes nos procedimentos de sentença alimentar, e as mesmas não são excludentes ou residuais[5], especialmente, agora nessa fase da pandemia do Coronavírus, pois, se o devedor dos alimentos não tem condições de pagar sua obrigação alimentar, o mesmo também não deve ter condições de dirigir, viajar, fazer compras no cartão de crédito etc.
Salienta-se que compete ao juiz a direção do processo, incumbindo-se de dar a efetividade para assegurar o cumprimento da ordem judicial, logo, as medidas previstas no art. 139, IV podem (e devem) ser implementadas, conjuntamente, com as medidas típicas do procedimento executivo alimentar[6].
Com base nesse Poder do Juiz, pode (e deve) ocorrer a restrição de medidas indutivas, coercitivas e mandamentais que restrinjam direitos ao devedor da obrigação alimentar, com a finalidade de forçar o executado a cumprir com a decisão judicial e assim ter efetividade no processo executivo[7].
São exemplos de medidas indutivas, coercitivas e mandamentais a suspensão da CNH – Carteira Nacional de Habilitação; a apreensão do passaporte; o cancelamento do cartão de crédito do devedor ou outra restrição que gere uma coação para que o executado quite o título devido[8].
Inclusive, conforme refiro (juntamente com Diego Miranda Barbosa) em um artigo sobre as mudanças realizadas pelo “Novo” CPC[9], já temos alguns precedentes nesse sentido, como, por exemplo, uma decisão judicial do Estado de São Paulo, a qual, em cumprimento de sentença, determinou o cancelamento do cartão de crédito do devedor, a suspensão da CNH – Carteira Nacional de Habilitação e a apreensão do passaporte até a quitação da dívida, pois, se o executado não tem condições de pagar o débito, o mesmo também não tem recursos para viagens internacionais, para manter um veículo e para manter um cartão de crédito[10].
Portanto, além da não aplicação da prisão domiciliar, mas sim a prisão em regime fechado, o Poder Judiciário deverá aplicar medidas “atípicas” coercitivas previstas no art. 139, IV do CPC, pois se o devedor da obrigação alimentar não tem condições de pagar os alimentos, o mesmo também não pode ter condições de manter o carro (e consequentemente dirigir) e de pagar o cartão de crédito (logo, sendo imperioso o bloqueio do cartão).
Reitera-se que, se o devedor dos alimentos não tiver condições de pagá-los, o mesmo deverá utilizar a ação revisional cabível, como prevê o art. 1.699 do Código Civil Brasileiro e, enquanto não for modificada a obrigação alimentar, ele é devedor da referida verba fixada judicialmente.
Mister gizar que, além do RJET – que foi aprovado pelo Congresso Nacional, estava tramitando o Projeto de Lei nº 1.627/2020, o qual previa em seu art. 8º que seria possível a suspensão parcial da prestação alimentar em até 30% da pensão fixada pelo prazo de até 120 dias, desde que os alimentos não estivessem inadimplentes até o dia 20/03/2020 e que o valor da pensão que foi reduzido seria pago em seis parcelas, a partir de 01/01/2021, como se depreende da redação do art. 8º do PL 1.627/2020, a saber:
Art. 8º- Ao devedor de alimentos que comprovadamente sofrer alteração econômico-financeira, decorrente da pandemia, poderá ser concedida, por decisão judicial, a suspensão parcial da prestação, em limite não superior a 30% (trinta por cento) do valor devido, pelo prazo de até 120 dias, desde que comprovada a regularidade dos pagamentos até 20 de março de 2020. Parágrafo único – Na hipótese de que trata o caput, a diferença entre o valor anteriormente fixado e o valor reduzido será paga em até 6 parcelas mensais, atualizadas monetariamente, com vencimento a partir de 1º de janeiro de 2021.
Essa norma prevista no PL 1.627/2020 não tutela o melhor interesse do credor dos alimentos, mas, pelo menos, previa que o devedor que comprovasse a alteração econômico-financeira que o valor não pago pelo responsável pela obrigação alimentar, seria pago posteriormente.
Todavia, sequer essa possibilidade será possível, pois o Projeto de Lei 1.627/2020 teve sua tramitação encerrada no Congresso Nacional em virtude do pedido de retirada do projeto por seu autor[11].
Cabe apontar que não há qualquer sombra de dúvida de que as tentativas de retirar a eficácia no recebimento dos alimentos que vem ocorrendo a partir da pandemia do Coronavírus vem de encontro aos melhores interesses das crianças (credores dos alimentos), e que isso não pode ser admitido pelos operadores do direito.
Em face do que foi exposto, aponta-se que devemos ter um olhar atento a essa situação, enfatizar que a verba alimentar continua sendo devida e que devemos ter uma interpretação favorável ao credor para dar maior eficácia possível à percepção dos alimentos que são necessários à subsistência do alimentado.
REFERÊNCIAS:
BARBOSA, Diego Miranda; SILVEIRA, Diego Oliveira da. Uma visão crítica das alterações da “execução” de alimentos no Novo Código de Processo Civil. Revista VoxLex – Direito de Família. Número 1. Disponível em: http://www.voxlex.com.br/sumario-familia-1.php. Acesso em 20/04/2018.
BRASIL. Constituição Federal. Código Civil. Código de Processo Civil. Regime Jurídico Emergencial e Transitórios das Relações Jurídicas de Direito.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei nº 1.627/2020 que tratava sobre o Regime Emergencial em Direito de Família foi encerrado. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141455 e acesso em 29/05/2020.
HASHIMOTO, Marcos Noboru. A nova execução contra o devedor de alimentos. Revista Jurídica da Escola Superior da Advocacia da OAB-PR. Ano 2, número 2 – Agosto/2017, p. 23-25.
IBIAS, Delma Silveira; SILVEIRA, Diego Oliveira da. Os alimentos são devidos durante a pandemia do Coronavírus?Site do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível em:http://www.ibdfam.org.br/artigos/1407/Os+alimentos+s%C3%A3o+devidos+durante+a+pandemia+do+coronav%C3%ADrus%3F e acesso em 29/05/2020.
PORTAL PROCESSUAL. Justiça determina cancelamento de cartão de crédito de devedor, suspensão da CNH e apreensão do passaporte até o devedor quitar a dívida.Disponível em: http://portalprocessual.com/justica-determina-cancelamento-de-cartao-de-credito-do-devedor-suspensao-de-cnh-e-apreensao-de-passaporte-ate-devedor-quitar-a-divida/. Acesso em 22/11/2016.
SILVA, Mike Barros de Carvalho. Aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento de decisão judicial nos casos de obrigações pecuniárias, com fundamento no artigo 139, IV do CPC. Migalhas. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI250355,11049-Aplicacao+de+medidas+atipicas+para+garantir+o+cumprimento+de+decisao. Acesso em 20/04/2018.
SILVEIRA, Diego Oliveira da. Uma Análise Crítica dos Motivos Ensejadores da Alienação Parental e das formas de Combate dessa Grave Afronta ao Direito Fundamental das Crianças e Adolescentes a uma Harmoniosa Relação Parental. In: ROSA, Conrado Paulino da; IBIAS, Delma Silveira; THOMÉ, Liane Maria Busnello (Organizadores). Grandes Temas de Família e Sucessões. Coletânea editada pelo IBDFAM/RS – Instituto Brasileiro de Direito de Família – Seção Rio Grande do Sul. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2016.
___; BARBOSA, Diego Miranda. Uma visão crítica das alterações da “execução” de alimentos no Novo Código de Processo Civil. Revista VoxLex – Direito de Família. Número 1. Disponível em: http://www.voxlex.com.br/sumario-familia-1.php e acesso em 29/05/2020.
___; IBIAS, Delma Silveira. Os alimentos são devidos durante a pandemia do Coronavírus?Site do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível em:http://www.ibdfam.org.br/artigos/1407/Os+alimentos+s%C3%A3o+devidos+durante+a+pandemia+do+coronav%C3%ADrus%3F e acesso em 29/05/2020.
[1] Essas indagações, também, foram trabalhadas no artigo escrito por IBIAS, Delma Silveira; SILVEIRA, Diego Oliveira da. Os alimentos são devidos durante a pandemia do Coronavírus? Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/artigos/1407/Os+alimentos+s%C3%A3o+devidos+durante+a+pandemia+do+coronav%C3%ADrus%3F e acesso em 29/05/2020.
[2] Art. 528 do CPC – No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
[3] Art. 528 do CPC – § 3o Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1o, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.
[4] SILVEIRA, Diego Oliveira da. Uma Análise Crítica dos Motivos Ensejadores da Alienação Parental e das formas de Combate dessa Grave Afronta ao Direito Fundamental das Crianças e Adolescentes a uma Harmoniosa Relação Parental. In: ROSA, Conrado Paulino da; IBIAS, Delma Silveira; THOMÉ, Liane Maria Busnello (Organizadores). Grandes Temas de Família e Sucessões. Coletânea editada pelo IBDFAM/RS – Instituto Brasileiro de Direito de Família – Seção Rio Grande do Sul. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2016. p. 190.
[5] SILVA, Mike Barros de Carvalho. Aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento de decisão judicial nos casos de obrigações pecuniárias, com fundamento no artigo 139, IV do CPC. Migalhas. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI250355,11049-Aplicacao+de+medidas+atipicas+para+garantir+o+cumprimento+de+decisao. Acesso em 20/04/2018.
[6] HASHIMOTO, Marcos Noboru. A nova execução contra o devedor de alimentos. Revista Jurídica da Escola Superior da Advocacia da OAB-PR. Ano 2, número 2 – Agosto/2017, p. 23-25.
[7] SILVEIRA, Diego Oliveira da; BARBOSA, Diego Miranda. Uma visão crítica das alterações da “execução” de alimentos no Novo Código de Processo Civil. Revista VoxLex – Direito de Família. Número 1. Disponível em: http://www.voxlex.com.br/sumario-familia-1.php. Acesso em 20/04/2018.
[8] SILVA, Mike Barros de Carvalho. Aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento de decisão judicial nos casos de obrigações pecuniárias, com fundamento no artigo 139, IV do NCPC. Migalhas. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI250355,11049-Aplicacao+de+medidas+atipicas+para+garantir+o+cumprimento+de+decisao. Acesso em 20/04/2018.
[9] SILVEIRA, Diego Oliveira da; BARBOSA, Diego Miranda. Uma visão crítica das alterações da “execução” de alimentos no Novo Código de Processo Civil. Revista VoxLex – Direito de Família. Número 1. Disponível em: http://www.voxlex.com.br/sumario-familia-1.php. Acesso em 20/04/2018.
[10] Notícia veiculada no site Portal Processual. Justiça determina cancelamento de cartão de crédito de devedor, suspensão da CNH e apreensão do passaporte até o devedor quitar a dívida.Disponível em: http://portalprocessual.com/justica-determina-cancelamento-de-cartao-de-credito-do-devedor-suspensao-de-cnh-e-apreensao-de-passaporte-ate-devedor-quitar-a-divida/. Acesso em 22/11/2016.
[11] Projeto de Lei nº 1.627/2020 que tratava sobre o Regime Emergencial em Direito de Família foi encerrado em 05/05/2020. Câmara dos Deputados. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141455 e acesso em 29/05/2020.